O documentário cinematográfico “Montado”, uma produção luso-espanhola realizada por Joaquín Gutiérrez Acha, que se estreia hoje nos cinemas, é “absolutamente inédito” e o mais caro alguma vez feito em Portugal sobre temas da natureza.
O filme “Montado”, que levou mais de três anos a concluir, é uma produção que se centra nesse ecossistema que ocupa um terço de toda a área florestal da Península Ibérica (56% em Portugal e 44% em Espanha) e que tem como estrelas o Lince Ibérico e toda a flora e fauna que acompanha o Montado entre Portugal e Espanha, disse à Lusa a produtora Pandora da Cunha Telles.
“É um documentário absolutamente inédito, porque rodámos durante três anos e porque nunca se fez um documentário de natureza com um orçamento tão significativo. O projeto está orçamentado em quatro milhões de euros”, revelou.
O processo de filmagem teve diferentes velocidades para que fosse possível “apreender a natureza como ela existe. Um voo de uma ave, um salto de uma rã, são coisas que ao nosso olhar é um micro segundo, mas quando filmamos a uma velocidade diferente, temos a capacidade de compreender a trajetória real destes animais dentro deste ecossistema, que é algo que normalmente não conseguimos ver ao olho humano”.
Segundo a produtora, esse talvez tenha sido o “maior desafio” do documentário, que é produzido por Wanda Natura e Ukbar Filmes, e narrado por Joana Seixas.
O Montado – que em Portugal existe no Alentejo, mas também junto ao Douro e ao Guadiana – é um dos principais ecossistemas em Portugal e Espanha, equiparado à Amazónia em termos de espécies: é hoje um dos 35 santuários mundiais da biodiversidade e tem 170 espécies de aves, 24 espécies de répteis e anfíbios, e 37 espécies de mamíferos.
Além disso, “a nível ambiental, fixa 14 milhões de toneladas de CO2 por ano e, neste momento em que se fala tanto de incêndios, o Montado é importante porque acaba por combater o aquecimento global e a desertificação, porque controla a erosão e regula o ciclo hidrológico, das chuvas”, destacou Pandora da Cunha Telles, que, juntamente com Pablo Iraola, coproduziu o filme, cuja produção esteve a cargo de José María Morales.
Uma das novidades que este documentário traz é focar-se no Montado como um ecossistema natural, já que normalmente o que aparece associado ao Montado é o “lado de exploração comercial, do ponto de vista económico”, ligado ao vinho e à cortiça, principalmente.
O Montado garante a Portugal um “rendimento enorme”, de mais de 900 milhões de euros por ano, e é por isso que “estamos habituados a ver o Montado como um ecossistema económico” e não focado “na natureza e na sua dinâmica animal e vegetal”, como este filme agora faz.
Criado por ação humana há centenas de anos, para criar meios de subsistência e defesa, e aproveitamento de recursos, para as populações, o Montado é um ecossistema seminatural, a cuja construção as espécies animais e vegetais se adaptaram.
“O que é fascinante é que os animais não veem fronteiras, temos águias que vão caçar a Espanha e têm crias em Portugal, temos o Lince Ibérico que passa de um lado ao outro da fronteira, que é uma fronteira humana mas não do ecossistema natural. É, portanto, um documentário para além de demarcações políticas”, afirmou.
Em termos técnicos, a produtora conta que o mais desafiante foi o trabalho ao nível do som e da imagem.
“Para conseguirmos sentir o que se está a passar, é impossível aproximar microfones de animais, por isso foi tudo feito em Portugal numa dimensão de ruídos de sala nunca antes vista. Para os batimentos de asas da águia, por exemplo, recorremos a uma série de ferramentas para conseguir reproduzir o que seria este som para o filme. Para nós foi um dos maiores desafios, toda a parte de som, de pós produção, os ruídos, as montagens de som, as misturas”.
Segundo Pandora da Cunha Telles, a realização deste documentário obrigou a recorrer a um sistema de mistura de sons normalmente utilizado em filmes de ação, para dar a dimensão de espetacularidade, como normalmente se usa, por exemplo, para um acidente ou para um helicóptero.
“De alguma maneira tratámos o voo de uma ave como o voo de um helicóptero, na dimensão de espacialidade do som. Fazer um filme de natureza é como fazer um filme de guerra, em termos de pós produção de digitais, de som e de acabamento”.
O trabalho de imagem foi também desafiante, porque filmado ao longo de três anos, foi necessário fazer correção de cor: “A evolução de um dia no Montado foi filmada em três anos”.
Em termos de captação de imagem, a velocidade da ação, como uma rã que salta no ar e se agarra a uma pequena palha, é diferente e por vezes falha.
“O grau de tentativa e erro é muito grande, mas num filme de ficção o ator repte, aqui o animal não repte e temos de ficar à espera que se proporcione uma segunda vez, o que implica por vezes o realizador estar na mesma posição, no mesmo local, dois, três dias à espera. Outras vezes criámos pequenos engodos que pudessem ser um chamariz para o animal se aproximar do local onde nos encontrávamos”, relatou a produtora.
Mas Pandora da Cunha Telles sublinha que a realização do filme se deve principalmente à dedicação e à persistência de Joaquín Gutiérrez Acha, que, antes de ser realizador, era fotógrafo de ambiente, pelo que tem muita experiência, e às câmaras utilizadas, que “são muito sensíveis e extremamente potentes, para conseguir captar esta velocidade diferente que é feita pela natureza e que normalmente não captamos nas grandes produções portuguesas de ficção”.
O “Montado” é uma coprodução com apoio da RTP, do Instituto do Cinema e do Audiovisual, da Portugal Film Commission/PIC Portugal, do Instituto do Cinema e das Artes Audiovisuais de Espanha, da TVE, MOVISTAR e IBERMEDIA.
“Montado” estreia-se hoje em sala e tem cerca de uma hora e meia de duração.