“Causa Própria” começa com um homicídio, mas é um drama puro que cruza realidade e ficção. Margarida Vila-Nova e Nuno Lopes são os protagonistas.
Rui Cardoso Martins recorda-se do dia em que a sua professora foi assassinada. Um caso chocante na pequena Portalegre. Mais do que a arma do crime ou quem foi o causador desse “afloramento do mal”, o escritor e cronista lembra-se do assombro e das questões que vizinhos e locais colocavam. Da forma como o crime lhes mexeu com a vida.
Foi precisamente essa a experiência que tentou transportar para o argumento da nova série produzida pela Arquipélago Filmes para a RTP, “Causa Própria”, que faz a sua estreia esta quarta-feira, 5 de janeiro, pelas 21 horas na RTP1. A história, escrita em co-autoria com Edgar Medina, leva-nos até uma pequena cidade da província, um pouco à semelhança da sua Portalegre.
É lá que os locais se deparam com um crime um homicídio de um jovem que serve de arranque a um drama. Drama é a palavra certa, bem longe da “série criminal ou policial”, explica Cardoso Martins à NiT. “Nem eu nem o Edgar somos grandes fãs de policiais. Não perco tempo a descobrir charadas. Interessam-me os efeitos que o crime, seja ele grande ou pequeno, tem na sociedade e nas pessoas em geral.”
São as ramificações desse crime misterioso que servem de guia ao argumento de “Causa Própria”, sobretudo nas que tocam em Ana, a juíza interpretada por Margarida Vila-Nova, que vai deparar-se com um dilema ético, profissional e familiar. Com familiares envolvidos no processo, tudo se vai complicar.
Nuno Lopes é outro dos nomes fortes de um elenco que conta com Ivo Canelas, Catarina Wallenstein, Maria Rueff, Adriano Carvalho, Afonso Laginha ou Sílvia Chiola. Na realização está João Nuno Pinto (“Mosquito”), que comanda o esforço de trabalhar esta série mais à imagem do que se faz lá fora e menos ao que já estamos habituados.
Na equipa está também o diretor de fotografia Kamil Plocki, que ajudou a emoldurar os cenários da localidade fictícia — mas que foi largamente filmada nas Caldas da Rainha —, e o compositor Justin Melland, que trabalhou em produções da Netflix com “The Ted Bundy Tapes” e “The Sons of Sam”.
O resultado são sete episódios de um drama que assenta num crime e salta daí para pintar um “retrato de Portugal e da justiça portuguesa”, conta Cardoso Martins, que recorda o arranque do projeto “há cerca de cinco ou seis anos”.
“Começou numa proposta do Edgar Medina de fazermos uma adaptação ao cinema das crónicas de tribunal que eu edito há mais de 30 anos”, recorda. A tradição em forma de crónica começou nas páginas inaugurais do “Público”, onde começou como estagiário e onde, na primeira edição, escreveu um texto sobre um dia a acompanhar um caso no tribunal.
“As pessoas começaram a gostar e eu nunca deixei de fazer aquilo. Mantive sempre essas crónicas [que hoje publica na ‘Notícias Magazine’] e ia todas as semanas aos tribunais.” Ia e vai, explica-nos num telefonema que interrompeu precisamente a escrita de mais um relato verídico de acontecimentos tão incríveis que aparentam ser ficcionados.
“Por vezes as pessoas pensam que estou a inventar coisas, mas não estou. Foram mesmo ouvidas”, confirma sobre as crónicas que já deram origem a dois livros, “Levante-se o Réu” e “Levante-se o Réu Outra Vez”. E acrescenta: “Foi aí que aprendi a escrever as histórias de outras pessoas, ouvi-las e saber contá-las. E foi também ali que aprendi a escrever ficção.”
Sempre fiel à realidade nas suas crónicas, admite que levou alguns dos mais curiosos casos e falas para “Causa Própria”, muitos como casos que vão surgindo em paralelo. “É uma ação que decorre numa terra de província e onde vamos assistindo a vários casos, acompanhamos a justiça diária — entre assaltos, violência doméstica, burlas — e estas personagens”, contou à NiT a protagonista Margarida Vila-Nova, ainda em 2021, durante as gravações.
“Esta juíza vai-se deparar com questões, com uma grande escolha que tem de fazer na vida, entre as suas crenças políticas, as suas causas judiciais, a justiça, e o drama pessoal de ver implicado neste crime o seu próprio filho.”
Se Cardoso Martins já tinha uma longa experiência nas salas de audiência, a atriz teve também que fazer a sua parte de trabalho de campo. “Interessa-me [o tema] porque estamos num momento em que a justiça está na ordem do dia e somos alertados ou acordados para tantos casos transversais… Interessa-me pensar e trabalhar sobre a justiça. É sempre interessante o trabalho de pesquisa, tenho estado a acompanhar algumas sessões no campus de justiça para acompanhar este universo que me era tão distante”, explicou a atriz sobre a preparação do papel.
Mais do que um jogo de “quem é o culpado?”, atores e argumentistas querem que “Causa Própria” vá mais além da maquinaria habitual dos policiais. “Queremos mostrar os impactos psicológicos e familiares de um afloramento do mal como este e, por outro lado, juntar histórias anedóticas de que todas as cidades como estas estão sempre cheias. Focamo-nos na riqueza das personagens, no seu crescimento e no drama de quem tem que tomar decisões terríveis”, conclui o argumentista.
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