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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

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No Alentejo, “é precisamente na agricultura que nós encontramos situações de exploração e até a roçar a escravatura do século XXI”, explica Ass. Solidariedade Imigrante (c/som)

Ao longo dos últimos anos, têm sido descobertas e desmanteladas, através de várias denúncias, situações  de trabalho escravo relacionado com o tráfico de seres humanos. Alguns desses casos acontecem no Alentejo, relacionados  sobretudo com o trabalho agrícola, onde as ofertas de emprego contemplam salários muito baixos e para onde os imigrantes são canalizados, desde o seu país de origem, através de redes mafiosas, que servem como uma matrioska de interlocutores que dificultam a identificação dos verdadeiros infratores, a libertação das pessoas –  cujas vidas ficam suspensas pela falta de documentos e sem liberdade física – e a atuação das autoridades e associações de solidariedade que pretendem combater este flagelo.

É o caso da Associação Solidariedade Imigrante, cujo responsável pelo Alentejo, Alberto Matos, foi entrevistado pela Campanário, onde explicou que é preciso ajudar as pessoas a quebrar a barreira do medo e que a sociedade esteja atenta a todos os sinais de fragilidade, sobretudo nesta altura do ano, com arranque da campanha da azeitona.

“Quem atravessa em situações de desespero, muitas vezes dispõe-se a trabalhar em quaisquer condições e, portanto, vêm desesperados”

“O Alentejo é uma grande região com uma queda demográfica muito grande e nesse sentido a presença dos imigrantes já se nota e é até saudável, no sentido em que tem combatido um pouco essa queda”, pelo que “são bem vindos” e “fazem falta”, até porque “desempenham tarefas que não é possível encontrar, naquelas condições, portugueses dispostos a trabalhar”, muitas vezes “porque vão para outras terras, para outros países, para a França, para a Suíça, muitas vezes fazer trabalhos melhor remunerados, em particular na agricultura”.

No Alentejo, “é precisamente na agricultura que nós encontramos situações de exploração e até a roçar aquilo que é definido pelas Nações Unidas como a chamada escravatura do século XXI”, que já não é a  “dos grilhões e o chicote”, mas “é uma situação em que as pessoas não têm autonomia, não têm liberdade sequer de escolher o seu patrão e ficam reféns, muitas vezes a milhares de quilómetros de distancia” do país de origem. Sendo que a situação se agrava ao estarem “por vezes sem documentos, ou com os documentos retidos por parte de quem os controla”, que nem sempre são as entidades patronais, “os chamados donos da terra, mas as máfias que os trazem e que os alugam como uma mercadoria qualquer”, explica Alberto Matos

Para traçar o retrato das pessoas que são muitas vezes trazidas nessas condições, o responsável da Associação Solidariedade Imigrante no Alentejo, explica que “nós temos, em primeiro lugar pessoas que vêm de países com situações de fome e até de guerra”, provenientes “quer de África, quer do Médio Oriente e até da Ásia” de onde “temos hoje muitos imigrantes da Índia, do Bangladesh, do Nepal” que chegam até nós e à Europa “atravessando o Mediterrânico, que é hoje o maior um dos maiores cemitérios do mundo, a par do deserto do Sahara”.

É por isso, explica Alberto Matos, que “quem atravessa em situações de desespero, muitas vezes dispõe-se a trabalhar em quaisquer condições e, portanto, vêm desesperados”. Contudo, “temos na própria Europa, e aqui no Alentejo isso é conhecido, particularmente na zona do Alqueva, mas também na zona de Odemira, onde há perímetros de rega”, pessoas que “por vezes vêm com promessas de ter bons salários, até de países europeus e da União Europeia”, nomeadamente “da Roménia”.

“Tivémos um caso, de pessoas que trabalhavam na apanha do melão e que durante 15 dias, tirando melão, tinham mesmo que ir pedir umas sandes ao café e as pessoas começaram-se a queixar”

Algo que facilita a sua entrada no país, porque “não precisam sequer de um passaporte ou de ir ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)”, pois “podem circular com o cartão de identidade, como se fossem turistas”. Mas mesmo estando a trabalhar, “por vezes não há contrato, não há nenhuma relação de trabalho formal, mas as pessoas são postas em casas, são fechadas, muitas vezes retiram-lhes os tais bilhetes de identidade e são transportadas a altas horas da noite e a horas em que não há grande circulação, para não darem nas vistas”.

Mas “ao fim de algum tempo começam a verificar que não lhes pagam e quando não lhes pagam e se vão queixar, por vezes, sofrem represálias fortes e entram em situações de desespero”, de tal forma que “já nem querem mais nada a não ser o dinheirito para regressar ao país”.

Já no Alentejo, Alberto Matos explica que a associação tem “denunciado muitos destes casos às autoridades” que “têm propiciado muitas destas intervenções, quer da [Autoridade para as Condições do Trabalho], do SEF, da própria PJ articulados com a GNR” o que “ao longo desta última década tem sido recorrente”. Assim, alerta, “é preciso que as pessoas, nas próprias aldeias, onde às vezes notam que há essas casas, que há pessoas que aparecem nos cafés a pedir sandes porque não têm mais nada que comer” – como “um caso, de pessoas que trabalhavam na apanha do melão e que durante 15 dias, tirando melão, tinham mesmo que ir pedir umas sandes ao café e as pessoas começaram-se a queixar”, em 2007 – ainda assim, “nos últimos anos as situações já não são só provenientes da Roménia”.

“Há a exploração por parte das máfias, mas depois há claramente a colaboração de muitas entidades patronais, os donos da terra”

Outro caso comum de onde vêm muitas pessoas é a Moldávia, que por ser um país que faz fronteira com a Roménia, esta permite a entrada de cidadãos apenas com apresentação do Passaporte, “sem precisar de um visto prévio”. “No último ano isso foi recorrente e temos indícios de que este ano a situação se está a repetir e a agravar, de pessoas que estavam em casas” e que “quando havia queixas ou quando iam parar ao hospital de Beja”, fruto de “agressões”, “precisamente quando reclamavam os seus direitos e o pagamento de salários”. Contudo, “quando as autoridades iam a essas casas verificavam que não haviam patrões, não haviam contratos, não havia nada”. Apenas “uns rapazes musculados, tipo segurança” que “controlavam aquele grupo”.

“Muitas vezes os infratores são aqueles pequeninos engajadores que fogem rapidamente, muitos nem são portugueses, e é difícil chegar a haver condenações e trânsitos em julgados”

Casos relacionados “particularmente” com a “campanha da azeitona, que se está a gora a iniciar”, que à imagem do ano passado “temos já alguns indícios este ano, de pessoas que, de facto, só se queixam cá para fora em situações já extremas, em situações em que correm perigo ou que foram ameaçadas”. Algo que “é indigno” e que “roça até o trabalho escravo e que é exploração a todos os níveis e que não é aceitável”.

Um flagelo onde se juntam diversos fatores, numa teia de amarras. Pois, conforme explica Alberto Matos, “há a exploração por parte das máfias, mas depois há claramente a colaboração de muitas entidades patronais, os donos da terra”, que procuram fazer as campanhas pelo “mais baixo preço”, onde “vale tudo, sem critérios sociais”.

“Se querem continuar estar cá a trabalhar é possível legalizar a sua situação”, uma vez que “a lei hoje é mais aberta, é uma lei humanitária”

Por isso “é importante que os donos da terra sejam responsabilizados”. Nesse sentido, existe já uma lei, aprovada em 2016, garante o dirigente associativo, que “responsabiliza toda a cadeia de contratação, desde o dono da terra até ao mais pequeno subempreiteiro”, onde “chega a haver dez entidades na mesma propriedade” e “se alguém não cumprir, vai subindo na cadeia até ao dono da terra”. Contudo, “o problema é que é preciso haver alguém condenado com transito em julgado”, ao mesmo tempo que “muitas vezes os infratores são aqueles pequeninos engajadores que fogem rapidamente, muitos nem são portugueses, e é difícil chegar a haver condenações e trânsitos em julgados”, permitindo que “o crime continue impune”.

Apesar de alguns casos que mesmo assim têm sido movidos, Alberto Matos diz que “essa parte, só por si, é insuficiente”. Pelo que é preciso atuar junto e diretamente com os imigrantes, “quando eles perdem o medo” e “dizer-lhes que se querem continuar estar cá a trabalhar é possível legalizar a sua situação”, uma vez que “a lei hoje é mais aberta, é uma lei humanitária” e talvez “a melhor lei, ou a menos má, de imigração que há na União Europeia”. Uma vez que, “permite às pessoas que, mesmo que tendo entrado como turistas, se estiverem a trabalhar podem regularizar a situação” e “este é um grande esforço que nós temos feito”.

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