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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

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O génio Paulino Vieira passou por Vila Viçosa e disse em exclusivo à RC que Cesária Évora “nunca foi diva”, mas sim “uma artista que eu levei a pisar os palcos do mundo” (c/som)

Paulino Vieira é um compositor, orquestrador, multi-instrumentista e cantor, considerado um dos maiores símbolos da música de Cabo Verde. Esteve em Vila Viçosa a convite do Pa. Ilídio Graça, que é “um grande amigo que eu tenho”, sendo que inicialmente “vim para quatro dias e já estou cá há três meses”, revelou o artista. Foi o homem por detrás do início da carreira de Cesária Évora, tendo sido o arranjador e produtor dos principais álbuns da intérprete, mas discorda do estatuto que muitos dão à artista, que ele ajudou a criar, mas com quem rasgou laços, artísticos e emocionais.

Sobre a sua vinda ao Alentejo, nomeadamente à vila calipolense, Paulino Viera diz que ao ver “aquelas laranjeiras enfeitando as vossas ruas fiquei encantadíssimo”, pelo que “eu dou os parabéns à pessoa que teve esta grande ideia de enfeitar Vila Viçosa com as laranjeiras”, algo que se complementou quando “depois mais tarde começo a ver que as pessoas se cumprimentavam e se cumprimentam umas às outras, bom dia e boa tarde, eu precisava de ver esse espetáculo”. Foi então que os quatro dias inicialmente previstos se alongaram, porque “não eram suficientes”.

Sobre o seu país, Cabo Verde, o compositor e músico confessa “eu deixei de ter nacionalidade”, afirmando-se ser “de todo e qualquer sítio que pertence ao planeta Terra”, pois “no meu coração não existem fronteiras”. Apelando por isso à “bondade” e “respeito” por todas as pessoas e religiões.

Na sua ótica, “qualquer homem bom, não tem nacionalidade, porque na realidade, todos os problemas acabariam se o ser humano deixasse de ser patriotista e passasse a ser universal, em que não precisaríamos, e não precisamos, de reconhecer as pessoas para as tratar bem”.

Em Vila Viçosa, “foi isso que eu encontrei, um pouco daquilo que eu estava procurando”, afirma, com “toda essa confraternização”, juntamente com “as plantas, os agricultores, os carneirinhos pastando-se nos montes e vales, uma beleza extraordinária que só se vê nos Presépios”.

Paulino Vieira diz que “ninguém é igual a ninguém” e concorda que muitas pessoas hoje representam um papel, no palco da sociedade, mas também que “cada um, um dia, haverá de cair na sua realidade e passar a ser sincero com este, aquele ou seja quem for” e “daí as minhas canções de reflexão, que obrigam as pessoas a pensar um pouco na vida humana”.

“Esse mundo de competição, em que eu para ganhar tenho que derrubar o semelhante, se não, não sou herói, aquilo é que é uma fantasia, porque a realidade nunca poderia ser essa”, diz o autor.

Este admite que “quem é poeta não diz que queria ser”, por isso, quando o escreve numa das suas músicas “é porque muitas vezes queremos dar tudo de carinho às pessoas, mas as palavras não são suficientes”. Até porque “poeta não é aquela pessoa que rima as palavras”, mas sim “ser-se sincero”

Por outro lado, “o silêncio significa tudo e traz a música que você queria ouvir”, bem como “um poder imaginário”. Algo que nos permite, “através do nosso pensamento, estar com quem está distante”, “estarmos e levarmos tudo aquilo que agente queria dar e não consegue”.

Sobre aqueles que ao longo da vida ou em alguma circunstância não o entenderam, “eu preferia pensar que não foi por maldade”, refere Paulino, “porque não sabiam como é que eu queria funcionar”. E por isso, garante ter “o dom do perdão” e de “entendimento”, porque “eu estou no caminho da liberdade, eu luto constantemente para não perder esta minha liberdade”.

Porém, “como tudo está alienado no planeta, eu entendo porque é que muita gente não tem coragem de ser livre” e “daí não me entenderem”.

Ainda assim, admite que “em tempos atrás, eu não era tão feliz como agora, porque tinha grupo para sustentar”, como tal “não podia negar isto mais aquilo, porque eu tinha elementos dependentes do dinheiro que íamos ganhar”. Algo que o obrigava a “ter cuidado para não ser egoísta”.

Isto quando dirigiu outros vários grupos musicais em Cabo Verde, em que “eu fui o arranjador da maior parte dos nossos artistas, o ensaiador da maior parte dos nossos artistas”, “o treinador, ensinador e produtor musical”. Por isso “aos 30 anos eu já tinha um leque de discos assinados com o meu nome”, onde era “principalmente amigo e entendedor dos que vinham ter comigo” e “viram em mim algo que lhes inspirasse confiança”.

Assumindo-se assim como “um parteiro que não quer impor a própria personalidade, mas sim entender qual é o filho que o artista quer parir”.  

Nesse aspeto, sublinha que “eu não cantei com a Cesária Évora, mas sim foi a Cesária que cantou comigo, porque as pessoas vinham ter comigo da mesma forma como elas, também veio a Cesária”. Nesse sentido, “a cada um, nós damos aquilo que veio buscar”. Por isso “eu só não gosto quando apresentam a Cesária como o meu cartão de visita”, pois ela “só foi mais uma”, entre todos os artistas que trabalharam pela música em Cabo Verde.

Como defensor da tradição cabo-verdiana, afirma que “a morna não é uma música lenta, mas sim algo patrimonial, que nasceu em Cabo Verde”, como “dádiva de Deus que todos os cabo-verdianos, a maior parte, sabem tocar”. Mas “eu tenho um orgulho incrível por ter sido escolhido como arranjador dos artistas da minha terra”.

Sobre a candidatura da Morna a Património Mundial da UNESCO, diz que é preciso lembrar “todos aqueles que antes de mim trabalharam e deram o seu sangue para que a música de Cabo Verde um dia viesse a ser respeitada”. Dizendo ainda que graças a eles, no disco “Paz, Amor e União” é onde a morna “está definida de várias maneiras”.

Porém, afirma que “com a chegada da Cesária, para que não houvesse sombra, permitiu-se que a minha gente e todos os nossos lutadores e artistas fossem presos com contratos de exclusividade, fechados na gaveta”. Tudo isto “por causa de uma artista que eu levei a pisar os palcos do mundo”, fazendo com que “todos deixassem de voar, enquanto lutávamos pela liberdade do nosso folclore”. Por isso “eu resolvi não mais trabalhar para essa gente”. “O barco que era nosso ficou furado, então o Paulino Vieira saltou do barco e tentou salvar as pessoas antes do naufrágio, mas as pessoas decidiram ficar no barco”, isto “por continência à diva, que nunca foi diva” e aí “eu achei que esse pessoal não merecia que eu trabalhasse para eles”.

Ainda sobre um dos grandes êxitos da música de Cesária Évora, tida como morna cabo-verdiana, Paulino Vieira diz que “Saudade não é morna”, mas “podemos tocar Saudade de uma forma a ser morna, no ritmo de morna, assim como com um batimento de fado”, porque “qualquer canção pode ser estilizada a um arranjamento”. Contudo, “quando registamos uma patente, cuidado que uma patente tem os seus padrões, a sua linha melódica, os seus batimentos e as suas acentuações”. Por isso afirma, “eu não estou aí e não colaboro nesta ideia” que Governo cabo-verdiano quer vender.

Oiça aqui a entrevista na íntegra:

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