A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou hoje um voto de pesar pela morte da pintora Paula Rego, lembrando-a como “uma das mais notáveis e destacadas mulheres portuguesas” e “um espírito livre e corajoso” que “nunca se deixou capturar”.
“Estamos todos de luto. Todos sentimos que ficámos mais pobres, porque a perdemos. Em bom rigor não a perdemos já que nunca a tivemos, porque ela nunca se deixou capturar. Nem por nós, nem pelos ingleses, nem por Salazar, nem pela professora Violeta que a oprimia, nem pela Mocidade Portuguesa que a assustou, nem pelo escuro que lhe fazia medo, nem pela opressão contra a qual desenhou, nem por qualquer homem, ou mulher, ou criança ou Deus”, lê-se no voto de pesar, apresentado pela mesa da Assembleia Municipal de Lisboa e aprovado por unanimidade.
Paula Rego nasceu em Lisboa em 26 de janeiro de 1935, “no seio de uma família de tradição liberal e republicana, com ligações à cultura inglesa e francesa”, e morreu no dia 08 de junho, em Londres, com 87 anos, tendo sido decretado luto nacional em Portugal.
A Assembleia Municipal de Lisboa recorda a pintora Paula Rego como “uma das mais notáveis e destacadas mulheres portuguesas”, que “era, antes de mais e mais do que tudo, um espírito livre e corajoso que habitou um corpo de mulher, as que mais restrições à sua liberdade sofreram, numa época em que todos erámos presos e cativos”, acrescentando que “por isso o pai lhe indicou o caminho do Reino Unido, porque, como ele dizia, ‘este país não era para mulheres’”.
O voto de pesar destaca o percurso da artista, que durante os seus primeiros anos de vida viveu entre a Ericeira e o Estoril, em 1945 ingressou na St. Julian’s School, em Carcavelos, e “em 1952 partiu para Londres, onde estudou na Slade School of Fine Art até 1956 e conheceu o seu colega Victor Willing (1928-1988), com quem passou a viver e se casou em 1959”.
“Tornou-se bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e expôs coletivamente perante o público lisboeta em 1961, na II Exposição da Gulbenkian. Paula Rego expôs individualmente pela primeira vez na Galeria de Arte Moderna da Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1966, onde apresentou vários trabalhos relacionados com acontecimentos chocantes da vida política ibérica, entusiasmando a crítica portuguesa”, realça o voto de pesar da assembleia municipal.
No princípio de 1970, a pintora radicou-se em Londres com o seu marido e filhos e, posteriormente, na década seguinte, começou a lecionar na Slade School of Fine Art e, “em 1987, Paula Rego assinou com a Galeria Marlborough Fine Art, ganhando divulgação internacional e dando entrada com obras da sua autoria nas coleções do Tate Museum e da Saatchi Collection”.
Apesar de viver no estrangeiro, a pintora continuava atenta à situação política e social de Portugal, inclusive “demonstrou o seu desagrado com o resultado do primeiro referendo à ‘despenalização da interrupção voluntária da gravidez’, realizado no país em 1997, com a obra ‘Aborto’ (1997-1999), gerando o choque e abrindo novamente a discussão do tema na imprensa portuguesa”, lê-se no voto de pesar.
Além de expressar condolências a todos os familiares, amigos e colegas de Paula Rego, com a realização de um minuto de silêncio em sua memória, a assembleia municipal enaltece os “inúmeros prémios e títulos” que a pintora recebeu ao longo da sua vida, inclusive em 2016 recebeu a Medalha de Honra da cidade de Lisboa e em 2019 a Medalha de Mérito Cultural do Governo português.
A assembleia municipal aprovou ainda, também por unanimidade, outros três votos de pesar pela morte do antigo presidente do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) João Ferreira de Almeida, do poeta e ensaísta João Rui de Sousa e do ativista indígena Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que morreram no extremo oeste do Amazonas, nos limites da fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, “vítimas numa luta desigual pelo planeta e pela convivência dos povos em paz e respeito com a natureza”.
C/Lusa