A tradição da cerâmica em São Pedro do Corval remonta aos tempos pré-históricos, graças à existência de depósitos de argilas com caraterísticas específicas nesta zona do Concelho de Reguengos de Monsaraz, que motivaram desde sempre esta atividade.
Por entre potes, rodas de oleiros e fornos descobrem-se peças utilitárias tradicionais únicas que nos transportam para os tempos antigos em que o barro se moldava às necessidades dos trabalhos dos campos e das vidas humildes no Alentejo.
Com uma história cultural tão rica e que corre o risco de se perder por falta de oleiros, a Rádio Campanário visitou hoje a Olaria Tavares, e falou com Dora Tavares proprietária do espaço.
Dora Tavares é natural de São Pedro do Corval, e juntamente com o marido, são os donos desta magnifica olaria. Dora explicou que este “é um negócio de família,” que “já vem desde o tempo do meu pai, que começou a trabalhar com 13 anos e, neste preciso momento, tem 69,” destacando que “eu estou aqui desde os meus 14 anos a trabalhar.”
Dora é a pintora das peças em barro, sendo que o seu marido é quem molda o barro para fazer as peças únicas e alegres que podem ser encontradas na Olaria Tavares.
Questionada de como nasceu a sua paixão pela olaria e pelas pinturas Dora referiu que “foi tudo através do meu pai, porque o meu pai era oleiro e fomos dinamizando a olaria” e assim, “eu comecei a pintar.”
Sobre qual é a melhor parte do trabalho que realiza diariamente, Dora Tavares referiu que “é a pintura,” e a parte que menos gosta “é o enfornar e desenfornar”, ou seja, atividades que envolvam o forno.
Quem mais visita a olaria são os turistas, mas segundo nos contou a proprietária, também as lojas procuram as suas peças de arte. O verão é a altura do ano em que a Olaria Tavares tem mais clientes, sendo justificada pelo aumento do turismo nesta região, e não só.
Dora Tavares contou-nos que os materiais utilizados na olaria são adquiridos a “empresas de cerâmica portuguesas”.
Sobre os tempos de pandemia, e quando esta se instalou em Portugal muitos foram os setores afetados que tiveram que fechar as suas portas para se protegerem de um vírus desconhecido. Para a Olaria Tavares não foi diferente, e sentiram-se algumas consequências, “Na altura sentimos, mas depois começou. O tempo em que tudo parou, ainda tivemos esse ano assim um bocadinho tremidos, mas depois, foi sempre muito trabalho,” destacou Dora.
Questionada sobre se teve que fechar durante este período, a pintora referiu “fomos obrigados a fechar, naquela altura em que toda a gente fechou”, cerca de “um mês e meio”. Sobre como conseguiram suportar os custos, Dora sublinhou “nós não podemos ver o dia a dia, nessa altura não se fazia dinheiro, não se fazia nada, mas tivemos que aguentar um dia de cada vez.”
Sobre a continuidade da profissão, Dora Tavares não pretende deixar de exercer a sua profissão num futuro próximo, sublinhando que vai trabalhar na olaria “até ser velhinha que é aquilo que eu gosto de fazer”.
Numa panóplia de várias peças em barro expostas nesta olaria, conseguimos visitar a sala de pintura, onde observámos o processo de pintura de “copos para ovos”.
O processo decorativo de uma peça tem várias etapas. “Fazemos uma peça, e vai ser limpa com uma esponja.” Depois, “vai ser tudo preparado, leva a base branca que é o caulino, e depois, vai ser pintada, e só depois é que vai ser cozida.”
Dora explicou que “quando pinto, pinto logo assim de seguida. Começo várias peças e depois vou voltar atrás para terminar outros processos.”
O processo de cozedura das peças também é complexo, primeiro “vai ser cozida a pintura e o barro, depois, sai do forno e vai passar pelo vidro e vai outra vez ao forno,” ou seja “vai duas vezes ao forno”.
Questionada sobre o tempo de demora de produzir uma peça de grandes dimensões, Dora Tavares aponta “uma peça grande pode chegar a um mês, mês e meio, já com o tempo de secagem e cozedura”, dando como exemplo um lindo prato colorido que se encontrava no estabelecimento. Sobre as peças de maior dimensão Dora revelou que são umas das mais difíceis de fazer, dando como exemplo “os pratos grandes,” pois “leva-se quase um dia inteiro a pintar um prato daqueles.”
Questionada sobre onde arranjava inspiração para colorir as peças Dora referiu “é natural, já são muitos anos e já está tudo na cabeça”.
Para além das pinturas há outras formas de decorar as peças, como nos explicou a proprietária da Olaria Tavares, dando o exemplo de uma peça com “uma técnica que é raspado”, ou seja, “é tirar o barro branco com um prego. A peça é mergulhada no barro branco e fica toda branca e, depois, eu faço os desenhos e escavo o resto à volta”, ou seja, “tiro o excesso do desenho que não quero”.
Sobre o que é mais comprado pelos visitantes, Dora Tavares referiu que as pessoas “gostam muito dos nossos arco-íris,” sublinhando que “isto agora é tudo já diferente, já não vem mesmo só para o tradicional.” Para além disso “gostam muito dos modernos, das linhas mais direitas e mais simples,” e ainda “os azuis, porque o azul representa Portugal e os turistas quando vêm gostam muito do azul.”
O barro sem desenhos “já não é tão procurado”, concluiu Dora Tavares.
Atualmente encontramos em São Pedro do Corval verdadeiras obras de arte, quer na forma, quer na decoração – a pintura cerâmica – feitas com um saber ancestral e uma estética caraterística da região. Aliado à experiência única de poder ver ao vivo o barro a ser moldado pelas experientes mãos do mestre oleiro na sua roda e de poder partilhar dos seus conhecimentos e vivências, São Pedro do Corval, com mais de duas dezenas de olarias em constante funcionamento é por excelência o maior centro oleiro do país e um dos maiores da Península Ibérica.
Em breve será disponibilizada a reportagem em vídeo!