Face ao claro desordenamento do território na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) e à desvalorização e omissão, por parte das entidades responsáveis, daqueles que são os piores efeitos ambientais do modelo de industrialização agrícola assente no regadio, a ZERO fez um levantamento do estado geral de habitats, áreas protegidas e sistemas agroflorestais de alto valor natural no Concelho de Beja, um dos 20 concelhos abrangidos pelo empreendimento.
Conforme divulgado pela Associação Zero na sua página oficial de facebook, as conclusões são claras: tanto a água proveniente do mega investimento público como os fundos da Política Agrícola Comum (PAC) estão a ser alocados a projetos de industrialização do espaço rural que levaram à destruição de habitats protegidos – uma subsidiação pública da destruição ambiental.
A ZERO cartografou as conversões do uso e ocupação do solo para culturas permanentes de regadio (sobretudo olival, amendoal e vinha) nos espaços rurais do Concelho de Beja, identificando aquelas que ocorreram em zonas protegidas da Rede Natura 2000 e as que causaram destruição de Charcos Temporários Mediterrânicos (habitat prioritário da Diretiva Habitats), de montados e de sistemas agrícolas associados a quercíneas em áreas de intensificação interdita.
Segundo a Associação, todo o levantamento foi feito fora dos perímetros de rega – embora muitos dos projetos agrícolas em causa sejam beneficiários de água de Alqueva através do chamado regime precário, que permite a cedência de água para fora dos blocos de rega através de uma contratualização anual.
A maior parte das intervenções destrutivas ocorreram após 2015 resultando, todas elas, em aparentes violações do disposto nos planos territoriais em vigor. Em causa está destruição de 18 Charcos Temporários Mediterrânicos e o desaparecimento de mais de 1.000 ha de sistemas agrossilvopastoris com azinheira e sobreiro (montados dispersos e povoamentos).
São cerca de 120 as parcelas com apoios do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020 que causaram danos em habitats e sistemas agrícolas importantes do ponto de vista ambiental, ocupando 3.900 hectares (ha), com 1.500 ha a receberem apoios com objetivos ambientais, sobretudo para a Produção Integrada, com valores majorados para o regadio, e para o Uso Eficiente da Água, exclusivamente para regantes. Segundo os valores mínimos previstos no PDR 2020 e tendo em conta a dimensão das parcelas, poderão ter sido alocados mais de 460.000 € de subsídios públicos desde 2015 a projetos e práticas que, na realidade, serviram propósitos contrários às obrigações assumidas pelo Estado português na alocação de fundos da PAC.
Para a Associação, o levantamento no Concelho de Beja é uma pequena amostra do que sabemos passar-se noutros concelhos na área de influência de Alqueva e noutros aproveitamentos hidroagrícolas, em que os instrumentos de gestão territorial são ignorados, zonas protegidas são violadas e habitats protegidos.
A ZERO considera ainda que está em causa a integridade ecológica, paisagística e sociocultural de um vasto território, com prejuízos cumulativos sérios que serão amplificados pela crise climática. As próximas gerações estão a ser roubadas irreversivelmente de um património Natural incalculável, delapidação apoiada por fundos públicos.
Em Abril , conforme indica a Associação, a ZERO denunciou à IGAMAOT o resultado perturbador do levantamento efetuado, solicitando que esta entidade fizesse uso dos seus poderes de inspeção para averiguar a conduta das entidades responsáveis.
A Inspeção-Geral encaminhou as denúncias para a Câmara Municipal de Beja, para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) Alentejo e para o IFAP. A ZERO questionou recentemente estas entidades sobre o andamento do processo, obtendo apenas a resposta do ICNF.
O ICNF confirma a instalação de várias culturas regadas de forma ilegal em zonas protegidas e povoamentos de quercíneas, assim como abate não autorizado de árvores protegidas. O instituto aponta que 8 dos Charcos Temporários Mediterrânicos denunciados estão destruídos, no entanto não possui informação sobre o estado da maioria dos restantes – embora a competência de monitorização destes habitats lhe esteja legalmente atribuída.
Ana Rocha
Fonte: Associação zero