O Museu Rainha Dona Leonor recebe, a partir do próximo sábado, a exposição A invenção dum outro, de Maria José Oliveira, com a curadoria de Fernando Ribeiro e Jean-Michel Albert, da ALFA Association Luso-Française d’Art.
Parar para refletir. Escutar, de forma cerebral, os ecos das nossas próprias inquietudes. E ver, com pertinente profundidade, a vida, renovada e recentrada na multidimensionalidade sublime da essência humana.
A partir do romance epistolar do século XVII “Lettres Portugaises”, a artista Maria José Oliveira criou duas instalações – comunicantes entre si – uma no local onde viveu a personagem principal – soror Mariana Alcoforado – no atual Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, Portugal, outra na Collégial de Bueil en Touraine, Tours, em França.
A artista conceptualizou estas instalações como um manifesto de liberdade no feminino, das mulheres que, diariamente, por todo o mundo, se vêem privadas da sua liberdade de pensamento, do direito ao trabalho digno, privadas de proteção social, obrigadas, ainda, a limitações graves na sua liberdade de deslocação…e vítimas – tantas vezes – de uma cobarde violência doméstica, tanto física como psicológica.
De afetos nasceu este projeto, mas também de encontros, em registos, geografias e tempos diferenciados, onde um livro publicado no século XVII, encontra uma produção cinematográfica francesa, filmada em pleno século XXI, e cujas filmagens – mimetizando a obra literária original – tiveram como lugares de ação pensada, Portugal (a narradora e suposta autora das cartas) e França (o destinatário dessas cartas).
Esta é uma exposição que, evoluindo entre a utopia do sonho passado, se projeta na esperança do futuro que a distopia do presente nos permite. Uma exposição que nos fala de clausura, de abnegação, mas também de resiliência, de liberdade e de amor, através das instalações site-specific, que a artista compõe e conceptualiza.
Em Portugal, no Convento da Conceição, em Beja. Na sala onde se encontra a Janela de Mértola, uma cela imaginada, de tecido em trama, suspensa e etérea. Ouve-se um coração que bate. Um coração de vida (por viver) e de amor (por amar).
Das espessas e opacientes (ostracizantes) paredes do Convento, ao espartilho de convenções de ordem familiar/social/política, o grito de alma da suposta autora das “Cartas Portuguesas”, Soror Mariana Alcoforado, ecoa pelos séculos, juntando-se a cada um de nós, em qualquer espaço ou tempo, clamando e marchando contra o esquecimento, a solidão e o desamor.
Em França, na Collégiale Saint-Pierre, Saint-Michel et Saints-Innocents, en Bueil-en- Touraine. A antiga sacristia, que durante a rodagem do filme foi convertida em cenário de cela de Mariana Alcoforado, duplica a representação do espaço de contenção/confinamento, físico, emocional e espiritual.
A velha e inóspita porta de acesso à antiga sacristia/’cela’, encontra-se agora aberta. No espaço, apresenta-se uma escada/escadote que, de modo ascendente, alcança a liberdade atravessando o muro imediatamente oposto. A luz opalina e enigmática da janela, tal como em Beja, teima em vencer as sombras que velam o espaço.
Fernando Ribeiro e Jean-Michel Albert, ALFA
Nascida em Lisboa, no ano de 1943, Maria José Oliveira é uma Mulher de uma frescura e curiosidade arrebatadora, uma profissional exigente – consigo e com a sua obra – e uma pessoa dotada de uma sensibilidade e humanidade sem limites.
É uma artista cuja profundidade no processo criativo de cada projeto em que põe a alma, se revela através de pistas e percursos alquímicos, tão acolhedores como inesperados, numa abordagem bem estruturada, porém inconformista e não convencional.
Tendo começado pela cerâmica (tirou o curso de cerâmica no IADE, entre 1973 e 1976), foi professora convidada do departamento de cerâmica do A.R.C.O de 1991 a 1997. O seu percurso artístico passou pela ourivesaria, pelo risco, pela escultura, pela instalação e pela performance.
Parafraseando a historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, no texto que escreveu no catálogo “Maria José Oliveira, 40 anos de trabalho”:
“A Maria José é uma artista que instala o conceptualismo no campo sem fundo da antropologia, usando procedimentos e técnicas que têm de ver com a Land art, a arte ecológica a arte povera, (…)”
Desde 1982 que são inúmeras as exposições onde participou, entre individuais e coletivas. Os múltiplos convites que continua a receber para expor, mostram bem o interesse que instituições públicas e privadas continuam a ter pela sua visão inteligente e perspicaz sobre questões que nos são contemporâneas.
Fonte: Direção Regional de Cultura do Alentejo