São os “bichos”, os novos estudantes que entram pela primeira vez na Universidade de Évora e agora transitam para o estágio de “caloiros”. Cada curso tem as suas especificidades, mas todos se unem em momentos como este, que agregam todas as casas, como a passagem de bicho para caloiro e a primeira vez que os praxistas de segundo ano trajam.
Este grande evento, que chama toda a cidade de Évora a participar, culmina com a tradição da “Sapatada”. Os bichos trajam com pantufas devidamente identificadas e à meia-noite são largadas todas as pantufas aleatoriamente, depois de molhar o pé na fonte da Sé. Os caloiros são desafiados a encontrar as suas pantufas no meio de milhares de outras. Quase que poderíamos dizer que é como encontrar “uma agulha no palheiro”.
Falamos com praxistas e bichos em ascensão para caloiros de diversos cursos da Universidade de Évora e recolhemos o seu feedback sobre o grande momento histórico: “Organizamos durante um mês e meio este evento e temos a responsabilidade perante os bichos de que corra tudo bem, tal como de integrá-los na universidade. O dia de hoje é o culminar da praxe, uma das melhores fases da universidade, é muito melhor ser bicho do que ser caloiro. É a melhor fase da vida deles.” diz-nos Lucas Fagundes, praxista de terceiro ano de Ciência e Tecnologia Animal.
Quanto questionado sobre os novos desafios que se colocam à Praxe como instituição e perante as necessidades das gerações atuais, afirma que: “Esta foi a geração que apanhou a pandemia no auge e ficou muito tempo fechada em casa. Sentimos que faltam competências de convívio com as pessoas.” Mas os contrastes também se fazem sentir: “Também há aquele perfil de bichos que, como nunca sairam na pandemia, têm mais vontade de sair, outros que nunca sairam e não têm tanta predisposição. ”, diz-nos a praxista Inês Santos, já rouca. “A praxe tem que se adaptar aos novos desenvolvimentos da sociedade e a necessidade de atualização é constante. Este ano o “CEGARREGA”, que é o livro que rege todas as tradições académicas da Universidade de Évora, foi atualizado. Os tempos mudam, evoluem e a população também.” conclui Lucas Fagundes.
Os caloiros demonstraram grande entusiasmo ao longo do evento, como nos partilha a quase caloira de Medicina Dentária: “Eu sou de Serpa e estou a adorar a experiência na praxe, os nossos Senhores Estudantes são incríveis. A praxe não é esse bicho de sete cabeças que toda a gente pinta e se não tivesse entrado na praxe provavelmente não teria feito os amigos todos que fiz.” Entre as actividades, os bichos destacaram momentos marcantes como “Aprender a cozinhar na praxe. Os Senhores Estudantes fornecem-nos comida, repartimos as tarefas como lavar a loiça e cozinhar. Eu aprendi a cozinhar na praxe”.
A casa de Desporto deu que falar, com performances que permitiram demonstrar as suas competências atléticas. Rafaela Castanheira, aluna de primeiro ano de Desporto diz que: “foi preciso imenso treino para apresentarmos este espetáculo, aconteceu cairmos, mas aperfeiçoamos e hoje conseguimos”. Outros colegas de Desporto, como o Pedro Carvalho, subscrevem: “Está a ser super emocionante. Fomos precisos cerca de 50 pessoas para conseguirmos fazer esta atividade.” Miguel Cuco, um praxista inactivo, do sexto ano de Ciências do Desporto, continua a acompanhar as novas gerações: “A nossa praxe é um pouco mais física, até para desenvolvermos aptidão física para a nossa formação. Tudo o que sejam jogos de integração e de ganho aptidão física faz parte do nosso leque de actividades.”
Não só a comunidade universitária participou do evento, mas também os familiares foram convidados. Foi o caso da família Serrano que assistiu proximamente. A mãe do bicho de Agronomia, Lurdes Serrano, partilhou a sua satisfação: “Estou achar o evento muito giro, com um grande espírito académico. O meu filho está no primeiro ano de Agronomia e está maravilhado. Nunca tinha visto uma receção aqui em Évora, já tinha assistido em Setúbal, mas aqui o espírito académico é mais forte”. O mesmo subscreve o filho mais velho, João Serrano, o irmão do bicho, que partilha a opinião de que “Até agora está a ser muito divertido, Évora tem um excelente espírito académico. As praxes desde que sejam feitas com respeito acho que são sempre bem-vindas, é uma maneira de integrar.”
A integração praxística hoje extravasa o próprio território português, sendo a praxe um veículo de transmissão da cultura académica e dos costumes portugueses e simultaneamente um promotor de integração de diferentes culturas étnicas na academia. Bernardo Cachão, do terceiro ano de Arquitetura, diz-nos sobre as diferenças geracionais que “A forma deles pensarem, reagirem, é totalmente diferente da nossa. Sinto que eles têm cada vez mais a mente aberta e dá-nos a possibilidade de pensar outras formas para os praxar.” Do lado da Engenharia Mecatrónica, conversamos com o “Digníssimo” Sérgio Ascensão, que diz que os bichos deste ano “São muito fraquinhos (risos). Os bichos são tratados ao colinho e têm falta de treino”, partilhou bem humorado, lembrando os seus tempos de outrora.
Da Psicologia conseguimos falar com Juan Mosquera, estudante internacional do Equador, que confessa que “A integração foi difícil ao início, pensava que ia ser muito mais fácil… Mas pouco a pouco estou a gostar, a habituar-me à língua. Agora sinto-me mais enriquecido culturalmente. A praxe tem tornado mais fácil fazer amigos. Fazemos brincadeiras e é o momento em que todos perdem a vergonha. Eu gosto muito disso e sinto-me mais integrado agora com a praxe.” Outro estudante internacional da Guiné-Bissau, também da casa de Psicologia, reforça que a praxe “Está a ser uma experiência muito boa e já construímos uma família muito unida. Quando necessito de alguma coisa sei que posso falar com algum colega da praxe. Estou cá há um ano e não tinha qualquer ideia sobre o que era a praxe. Hoje tenho uma ideia positiva e sinto que ajudou à minha integração em Portugal.” Eduarda Santos, praxista de Psicologia, salienta que a casa se destaca pelos níveis de empatia com que orientam a sua relação com os bichos, com recurso às ferramentas que a própria formação disponibiliza.
O evento manifestou o forte espírito académico da Universidade de Évora, congregando universitários e sociedade civil, consolidando uma tradição histórica das universidades Portuguesas, num contexto em que se colocam novos desafios geracionais relativos ao mundo digital e à multiculturalidade, que compõem a nova orgânica das universidades da atualidade. Facto é, que este evento é uma tradição histórica estudantil de grande relevo para a comunidade estudantil de Évora e para a sociedade civil de um modo geral. O evento reuniu milhares em torno da passagem de testemunho dos “bichos” para “caloiros”.