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Cante Alentejano: A voz, princípio e fim…instrumento absoluto do cante




 

O Cante Alentejano está para o Alentejo como o fado está para Lisboa! Esqueçam as guitarras, os baixos e as baterias. A voz é o princípio e o fim, é o instrumento absoluto do cante. Uma redução até ao limite, até ao osso.

 

Para o cantar BEM é preciso ser-se alentejano, abusar do gerúndio e ter aquele sotaque suave. Mais comum no baixo do que no alto Alentejo, o cante alentejano também só pode ser verdadeiramente sentido por aqueles que vivem ou viveram no Alentejo. Por aqueles que sentem ou sentiram as planícies secas e desoladoras na textura da sua pele.

 

É possível ouvir cante alentejano em grandes auditórios, em festivais ou em restaurantes para turistas. São réplicas caro leitor, são réplicas. O cante no seu estado puro (ainda) é cantado em tabernas e tascas do baixo Alentejo. Se o quer experienciar tem de o procurar pacientemente. Irá encontrá-lo com mais facilidade em Cuba, em Mourão ou em Serpa. Entre numa taberna caiada de branco, peça um jarro de vinho, pão e azeitonas. Beba, coma e converse. Conceda tempo ao tempo. O álcool vai acabar por produzir o seu efeito e as vozes doridas soltar-se-ão ao cair da noite.

 

O cante é uma expressão popular cultural portuguesa proveniente da região do Baixo Alentejo (distrito de Beja). As origens mais profundas e antigas são incertas mas acredita-se que tenha uma ligação com o canto árabe. Há muitos elementos que distinguem o Cante Alentejano de outros estilos musicais. Os trajes, o entrelaçar de braços, o lento balançar dos corpos e as próprias letras são diferentes do comum. Mas é na técnica que verdadeiramente as águas se separam. No cante alentejano, em cada sílaba cabe um sem número de notas musicais e em cada palavra se faz uma canção.

 

Pode ser definido como duas vozes solistas (ponto e alto) que alternam com um coro. Os versos repetem-se de acordo com a sensibilidade dos cantores. O ritmo da música é lento e com pausas. O resultado é uma melodia monotonamente bela, uma dança entre as vozes e as pausas das canções.

É um estilo musical único no mundo. A sua força e melodia evoca em nós mil imagens do Alentejo. Não do Alentejo de Julho e Agosto e das praias cheias de turistas. O outro Alentejo, o Alentejo dos meus avós. O Alentejo da pobreza mas também da partilha, o Alentejo da fome mas também da solidariedade.

 

O Alentejo continua a ser uma terra de contrastes e uma terra que simultaneamente puxa e repele as suas gentes. O tempo parece não produzir o seu efeito no Alentejo. Os velhos continuam sentados nos bancos de pedra à porta das suas casas. Era assim em 1950, em 1970, em 1990 e continua a ser assim em 2021. O isolamento, a seca, o desespero e a pobreza continuam por lá. Por lá continuam também as suas gentes, com vontade de sair, mas também com vontade de ficar. O Cante representa tudo isto.

 

Mas o cante alentejano, à semelhança do fado, pode ser também uma música alegre, carregada de ironia e de humor. A vertente social do cante foi e é também muito forte e importante. É esta vertente social que explica a sua sobrevivência à passagem do tempo. O cante une pessoas de diferentes faixas etárias e une diferentes gerações da mesma família.

 

Como chegou ao Alentejo? Ninguém consegue precisar. Uns dizem que tem raízes árabes, outros apostam numa costela judaica ou no canto gregoriano. A sua origem não é hoje o mais relevante. O mais importante é que está cá e é nosso e veio para ficar e para se dar a conhecer ao mundo!

 

Apesar de existirem alguns grupos corais de Cante com mais de 100 anos, este estilo musical nasceu em cafés, tascas e durante as jornadas de trabalho dos camponeses alentejanos. Num Alentejo pobre, seco e isolado, as letras das músicas traduzem o modo de vida sofrido duma população e a sua luta pela sobrevivência. Uma expressão cantada daqueles que deram vida à industrialização e à extração mineira do Alentejo durante o final do século XIX e ao longo da 1ª metade do século XX.

Foi em 1926 que apareceu o primeiro grupo coral de cante nas Minas de São Domingos em Mértola (já inativas). No ano seguinte, em 1927, surgiu em Serpa o segundo grupo de cante Alentejano.

 

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