O Cante Alentejano é uma tradição enraizada na cultura portuguesa, e João Matias, diretor do Museu do Cante em Serpa, explica que essa entidade continua viva e pulsante. Criado em 2012, o Museu do Cante foi fundamental para a candidatura deste canto polifônico à UNESCO, cujo reconhecimento oficial chegou a 27 de novembro de 2014, às 11h17, em Paris, com os homens do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa entoando suas vozes com orgulho. Esse momento, a fotografia e a memória do tempo estão perpetuados neste espaço localizado no distrito de Beja. Desde então, muitas mudanças ocorreram.
O Museu do Cante é o lar de inúmeros grupos de cante existentes não apenas no Alentejo, mas também na “diáspora”, que engloba regiões como Lisboa, Algarve, Paris, Canadá e Suíça. Segundo dados de 2020, são 193 grupos de cante identificados, dos quais 35 estão em Lisboa. Estes números estão em constante atualização, pois novos grupos surgem enquanto outros não resistem aos desafios, como a pandemia. A maioria dessas formações concentra-se no baixo Alentejo, no distrito de Beja, totalizando cerca de cem.
As histórias que envolvem o cante e os seus grupos são tão numerosas quanto fascinantes. São verdadeiras multidões de vozes, com 15 a 25 cantores ou cantoras, que adoram cantar e conviver. Ao chegarem a uma tasca ou cervejaria, preenchem o ambiente com vozes e pessoas, atraindo olhares curiosos que logo ligam os telemóveis para registar o momento. Contudo, o cante também alimenta rivalidades entre aldeias, onde alguns alegam serem mais alentejanos do que outros, considerando ser necessário ser alentejano de nascimento para sentir verdadeiramente o cante. No entanto, novos grupos surgiram na “diáspora”, compostos por cantores de diversas origens, desenhando uma nova realidade para esta tradição. João Matias revela que existem grupos no Algarve e no exterior, incluindo dois no Canadá, dois na Suíça e o Rancho de Cantadores de Paris, que conta com membros de diferentes nacionalidades, como marroquinos, italianos e até uma senhora russa, todos cantam em português. Esta diversidade rompe estereótipos preestabelecidos, mostrando que é possível sentir e expressar o cante de diferentes formas e origens.
O reconhecimento da UNESCO trouxe uma nova vida e dinâmica para o cante, mas nem todas as mudanças têm sido pacíficas. João Matias alerta para as tensões que surgiram devido a essas transformações, uma vez que o cante é uma atividade profundamente enraizada na identidade cultural das pessoas, gerando debates acalorados sobre as direções a serem tomadas.
Fonte: Expresso