O Plano Ferroviário Nacional, considerado pelo Governo como um instrumento “que irá definir a rede ferroviária que assegura as comunicações de interesse nacional e internacional em Portugal”, não inclui, pelo menos para já, a ligação Beja/Funcheira, considerada fundamental não só para o Alentejo, como para todo o território nacional, avança o “Diário do Alentejo”.
Manuel Tão, especialista em economia de transportes, confessa ter “muita dificuldade” em aceitar que, com uma disponibilidade de 10,5 mil milhões de euros para a ferrovia até 2030 no Programa Nacional de Investimentos (PNI2030), “a linha do Alentejo não seja toda eletrificada e requalificada”, ou seja, “de Casa Branca a Ourique [Funcheira]” e não apenas de Casa Branca a Beja. “E é preciso dizê-lo com ênfase que isso é dinheiro que vai para a ferrovia ou regressa a Bruxelas, portanto, não há cá argumentos de que isso poderia ir para outro tipo de coisas, não”, sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo”.
O também professor da Universidade do Algarve diz, ainda, ter dúvidas quanto à forma como o futuro Plano Ferroviário Nacional (PFN), em fase de auscultação pública, está a ser lançado, “não que não seja importante, porque é”, uma vez que o País “não tem um plano ferroviário desde 1930”, mas porque “quem vai gerir os investimentos ferroviários” é a Infraestruturas de Portugal (IP), “uma empresa rodoviária, em que mais de 90 por cento do volume de negócios refere-se a estradas”.
O investigador considera que a IP não está “particularmente interessada no desenvolvimento do caminho de ferro”, não tem “uma cultura de transporte público” e tem “uma dificuldade muito grande em entender” o que é uma rede ferroviária. “Estão interessados num corredor litoral que vai de Setúbal a Braga e tudo o resto não lhes interessa. O resto, para eles, são estradas e autoestradas, e eu tenho muitas dúvidas de que se interessem por contributos [para o PFN]”.
Recorde-se que o PFN foi lançado em abril pelo Governo e que atualmente decorre um período de auscultação com vista a contar com o contributo de operadores, utilizadores, autarquias, universidades e especialistas na sua definição, como referiu o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Até outubro será produzida a redação de um documento que será levado a consulta pública até ao final do ano. Entre janeiro a março de 2022 será feita a redação final, que será entregue para aprovação em Conselho de Ministros.
No mapa, dado a conhecer na sessão de apresentação, não constava a ligação entre Beja e a Funcheira, desarticulada desde 2012. E o PNI2030 – que lança “as bases do futuro PFN” e prevê a eletrificação do troço entre Casa Branca e Beja –, menciona, apenas, em relação à ligação à Funcheira, a intenção de elaborar “os estudos necessários à expansão e reforço da rede onde tal se revele pertinente, em particular, com reativação do troço Beja/Ourique”.
“A Linha do Alentejo tem interesse como redundância ao eixo norte/sul através da linha que passa em Grândola e nas Ermidas e como capacidade essencial para aquilo que é a saída do porto de Sines, porque vamos ter cada vez mais e mais comboios de contentores de Sines para o resto do País e não vamos conseguir ter capacidade na linha atual para os escoar”, prossegue Manuel Tão, reforçando que é necessária “a reabertura dos 53 quilómetros que vão de Beja até Ourique e a sua requalificação e eletrificação”.
Caso contrário, diz, o PFN, “ou, pelo menos, o Plano Nacional de Infraestruturas até 2030, não parece que venha surtir qualquer tipo de efeito significativo no Alentejo e no território de Portugal como um todo”, porque os 53 quilómetros que separam Beja de Ourique “fecham uma malha sul que tem impacto não apenas a nível do Alentejo, mas de todo o território nacional, em termos do que se pode obter com o efeito de rede que produz essa ligação fundamental”.
O investigador defende, assim, a existência “de uma entidade para gerir a rede ferroviária como existe na maior parte da União Europeia, e como já tivemos, a Refer [hoje integrada na IP]”, e “de um modelo de desenvolvimento do território associado à infraestrutura ferroviária”.
A IP “tem um estudo completo da Linha do Alentejo, de Casa Branca até Ourique, e com uma passagem pelo Aeroporto de Beja”, recorda o especialista, considerando “estranho” que “a própria empresa não valide o estudo que mandou fazer” e que pretenda elaborar um outro, como consta do PNI 2030. “Isto é revelador de que não querem fazer o que quer que seja”, afirma.
“COMPROMISSO POLÍTICO” É FUNDAMENTAL
Lembrando que “as acessibilidades” existentes no distrito de Beja, quer ao nível da rodovia, quer da ferrovia, “são insuficientes”, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) sublinha que o que está “preconizado” no Plano Ferroviário Nacional “continua a ser insuficiente”, dado que “a ligação à Funcheira ficará de fora, para já, das intenções”. “O que se fala nesta discussão do PFN é mais ou menos aquilo que se vinha discutindo já no PNI 2030, e já em planos estratégicos anteriores”, diz Jorge Rosa, revelando que no decorrer da apresentação do plano ferroviário na CCDR do Alentejo, na semana passada, reforçou a necessidade de se incluir o troço Beja-Funcheira, que permitirá também a ligação ao Algarve, um investimento considerado “muito importante”.
“Questionámos quem apresentou o plano e não nos foi dada, para já, grande esperança de que o troço seja incluído, porque veio apenas fazer a apresentação. Mas ouviu-nos e levou as nossas questões, portanto, não sabemos se elas vão ter ou não repercussão no documento”, diz o autarca.
Mas mais importante do que incluir o troço no PFN, afirma o presidente da Cimbal, seria “haver um compromisso político” para a realização deste investimento. “Seria muito importante obter, nomeadamente do Ministério das Infraestruturas, mas também da equipa que vai trabalhar no documento, o compromisso de que, ficando incluída a ligação à Funcheira, é mesmo para avançar”, reforça.
Jorge Rosa lembra que ainda recentemente a Cimbal voltou a frisar, junto do ministro das Infraestruturas, a importância do investimento no referido troço e que voltará a fazê-lo quando for “auscultada no âmbito do plano ferroviário”.
RESTRIÇÕES “FORTÍSSIMAS” PARA O TRANSPORTE RODOVIÁRIO
Manuel Tão chama a atenção para “as restrições fortíssimas no que se refere, particularmente, ao transporte rodoviário”, que estão a ser preparadas a nível da União Europeia, sendo que se vai chegar a 2030, ou um pouco antes disso, a uma “situação de emergência”, que obrigará a fazer “um conjunto de investimentos ferroviários que nem sequer estavam previstos e que vão ser feitos à pressa”. “Vamos ter uma rede rodoviária, e o transporte rodoviário quer para pessoas, quer para mercadorias, fortemente taxado, em termos de ecotaxas, de tudo o que seja externalidades do transporte rodoviário, e vamos ter empresas a falir, fábricas a saírem daqui e a irem para outros sítios da União Europeia”, muito mais cêntricos.
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