Martim Afonso de Sousa, era um ilustríssimo Calipolense, fidalgo dedicado à leitura e curioso dos feitos de armas, formado pela natureza para ser herói, começou desde a adolescência a dar claros argumentos e generosos brios, que se vieram a confirmar ao longo da sua vida.
O pai de Martim Afonso, Lopo de Sousa, foi quem iniciou o nobre pupilo nas artes militares e afins, bem como no domínio das normas sociais nobiliárquicas.
A família descendia dos Sousa Chichorro, cujo varão da geração inicial foi Martim Afonso Chichorro, filho bastardo de D. Afonso III, o qual foi elevado a altas posições sociais, políticas e económicas, no reinado do seu meio-irmão El-Rei D. Dinis de Portugal. A mãe era D. Brites de Albuquerque, filha de João Rodrigues de Sá, senhor de Sever e alcaide-mor e vereador da Fazenda do Porto.
Sendo Vila Viçosa um dos domínios mais emblemáticos da casa ducal brigantina e registando-se um forte elo entre os Sousas e a Casa de Bragança, não surpreende, pois, que a localidade tenha sido o berço de nascimento de Martim Afonso de Sousa.
Paralelamente, o início do século XVI marca o início de um período fulgurante da história de Vila Viçosa, pequena localidade que era a sede da influente Casa de Bragança, surgida em 1442 e que se assumiu como uma das mais importantes famílias nobres de Portugal, em poder, riqueza e prestígio.
O regresso do quarto Duque D. Jaime às origens portuguesas, no final do século XV, depois do exílio forçado em Castela, por razões de ordem política, implicou uma profunda alteração na vila alentejana a vários níveis, graças à instituição da designada “Corte na Aldeia”, espaço de referência que deixou marcas na cultura europeia, quase a meio caminho entre Lisboa e Madrid.
O interesse dos Duques de Bragança, logo no final do século XV, pelas correntes humanistas e pelos estudos literários e científicos teve em Vila Viçosa o seu foco principal de desenvolvimento. O mecenatismo dos sucessivos duques foi uma constante que originou a confluência de muitos ilustres visitantes a este território, tendência que foi uma constante ao longo de todo o século XVI. Denota-se, paralelamente, uma vontade clara em implementar princípios e normas do Renascimento italiano no solar alentejano do Ducado.
Aqui estavam estabelecidos médicos e juristas ao serviço do Paço, os mestres que tinham sob sua responsabilidade a formação dos duques e dos jovens nobres da Casa de Bragança e os homens das letras que eram protegidos pelo círculo brigantino, tais como Jerónimo Corte –Real, António de Sousa de Abreu, o poeta Pedro de Andrade Caminha, Fernão Cardoso, ou ainda, Afonso Vaz de Caminha, um dos fidalgos mais eruditos do seu tempo.
O que parece claro é que o Paço Ducal de Vila Viçosa viveu o Renascimento e o gosto pelo Humanismo em múltiplas vertentes. Foi, pois, num contexto de serenidade e prosperidade familiar que Martim Afonso de Sousa veio ao mundo naquele ano de 1500, sintomaticamente e de acordo com a tradição, em Vila Viçosa, à beira da sombra protetora da corte ducal.
Este contexto influenciou seguramente e de forma determinante a educação, o carácter e a ambição de Martim Afonso de Sousa durante os primeiros anos da sua vida e comprova que a sua ação política não foi um mero acaso ou fruto de várias circunstâncias felizes, mas sim a consequência de uma contínua aprendizagem. Em Vila Viçosa, o jovem fidalgo de linhagem, crescendo ao som do relato das façanhas dos antepassados, provavelmente empolgado pela leitura de novelas de cavalaria e atento às notícias das atividades bélicas contemporâneas, formou uma personalidade aventureira, que excelentes serviços haveria de prestar à Coroa portuguesa.
Desde a infância à juventude, o fidalgo calipolense pôde reunir todos os fatores vitais à concretização de uma trajetória de sucesso: boa posição social, ditada por nascimento e reforçada por casamento; riqueza assegurada pelo direito de herança a património fundiário; garantias de proteção superior, conferidas pela Casa de Bragança e depois pela Casa Real; e múltiplas relações interpessoais, entabuladas no meio palatino ou aproveitadas a partir de laços de parentesco e de amizade, que entretanto ganharam cunho político.
Pertencendo a uma família influente e contando com o apoio da casa nobre mais importante do Reino, a seguir à do próprio monarca, Martim Afonso faz a sua entrada na corte aos dezasseis anos, passando a ser, juntamente com o seu primo D. António de Ataíde, um dos mais próximos e fiéis companheiros de juventude do futuro rei D. João III. A sua relação próxima com duas das mais importantes figuras do Reino no século XVI anteriormente mencionadas, com os quais estabeleceu fortes vínculos pessoais, projetou Martim Afonso em termos de influência e prestígio social, determinantes na evolução da sua carreira político-militar.
Em 1520 é acolhido de forma definitiva e formal ao serviço do príncipe D. João. Não obstante ter mantido uma presença ininterrupta na corte desde 1516, a verdade é durante esse período continuava a ser um criado da Casa de Bragança.
Será durante uma estadia na corte espanhola em que acompanhou, por incumbência do Rei D. João III, a Rainha D. Leonor (viúva do rei D. Manuel I), que Martim Afonso casará, em maio de 1523, com Ana Pimentel, fidalga espanhola, que seria filha de D. Francisco Maldonado ou de seu irmão, D. Rui Dias Maldonado.
Ana Pimentel, que terá mais tarde um papel determinante na gestão do património familiar, vai cumprir bem a sua missão de mãe. Teve oito filhos: cinco varões e três filhas.
A participação política e militar do nobre português prolongou-se quase ininterruptamente, de 1530 a 1545, ficando marcada pelo exercício exclusivo de funções cimeiras: primeiro a capitania-mor da expedição encarregue de anular a concorrência francesa e de desencadear a colonização do Brasil, esfera em que esteve dotado de alçada equiparável à de um governador (1530-33) e onde alcançou sucessos que lhe valeram a donataria de algumas capitanias instituídas pela Coroa (1534); depois, a capitania-mor do mar da India (1534-1539) e por fim o governo do Estado da India, no ano de 1541, numa missão que durou até 1545.
Distinguiu-se pelo carácter multifacetado das suas atividades como cortesão, erudito, guerreiro e explorador, que o levaram de Portugal a Espanha, França, Brasil, India, locais onde não se limitou à esfera litoral, tendo-se atrevido a avançar por esses territórios mencionados.
Tinha diversas capacidades pessoais: espírito empreendedor, conhecimentos científicos a nível da matemática, cosmografia e navegação, visão política, carisma, ambição e uma apurada sensibilidade para a promoção e salvaguarda dos seus interesses, que o conduziram a atitudes de confrontação, até diante da Coroa. Foi um verdadeiro cidadão do mundo, que correu as sete partidas, ao serviço de Portugal.
Simultaneamente, privou e contactou ao longo da sua carreira, com estadistas europeus e asiáticos, tais como D. Manuel I, D. João III, D. Sebastião e o Imperador Carlos V, Bahadur Shah, sultão indiano do Guzerate (1526-1537), Salghar Shah, Rei de Ormuz (1535-1544), Ibrahim, sultão indiano de Bujapur (1535-1557), Bhuvaneka Bahu VII, rei cingalês de Kotte (1521-1551), Tabarija, Sultão de Ternate (1532-1545) e o Rajá de Cananor (1527-1547).
Teve uma relação privilegiada com os cientistas Pedro Nunes e Garcia da Orta e com veteranos de guerra, tais como Gonzalo Fernandez de Cordoba (1453-1515), herói castelhano das guerras de Itália, D. Garcia de Noronha, personalidade portuguesa que assistiu a momentos cruciais da formação do Estado da India e altas individualidades religiosas, como o jesuíta São Francisco Xavier[17].
De facto, Martim Afonso ocupou, até à data da sua morte, provavelmente em 1571, uma posição muito relevante quer na expansão ultramarina, quer na sociedade cortesã de Quinhentos, graças à construção de uma carreira singular, que permitiu também o favorecimento da sua própria estrutura familiar e que o projetou como um dos heróis da expansão ultramarina portuguesa.
Fonte: Bonifácio
Texto: Tiago Salgueiro
Ler na íntegra: https://bonifacio.net.br/martim-afonso-de-sousa-um-fidalgo-calipolense-que-fez-historia-no-brasil/