O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Ricardo Mexia, manifestou preocupação com o impacto que os mais de 600 óbitos diários podem ter nos serviços de saúde e funerários.
A Associação Nacional das Empresas Lutuosas (ANEL) fez um apelo para que sejam criadas condições que assegurem a preservação dos corpos com dignidade até à realização dos funerais, face ao pico de óbitos que está a deixar o sistema em rutura.
Questionado pela Lusa sobre esta situação, Ricardo Mexia afirmou estão “muito preocupados” porque há “uma pressão enorme sobre os serviços de saúde” e que de alguma forma é materializada por “um aumento muito importante da mortalidade”.
“Mais de 600 óbitos diários é algo que não nos pode deixar indiferente e infelizmente o cenário provável é a situação vir a agravar-se fruto desta manutenção do número de novos casos diários [de COVID-19] e também a mortalidade associada a outras doenças”, além do impacto das temperaturas muito baixas que também afeta a mortalidade.
Portanto, sublinhou, existe “um conjunto de fatores” que faz com que o país esteja a enfrentar “uma mortalidade anormalmente alta que, naturalmente, além de colocar sobre pressão os serviços de saúde, coloca toda a componente associada a isso” como a preservação dos corpos até ao funeral.
“A situação é complicada em diversos domínios e, portanto, também a indústria [funerária] está seguramente a sofrer os impactos deste enorme excesso de mortalidade”, frisou.
Para o especialista em saúde pública, esta situação gera apreensão, sendo necessário controlar rapidamente este excesso de mortalidade, mas para isso é necessário reforçar os recursos da vigilância epidemiológica.
As dificuldades para controlar o problema “são muito significativas”: “o número de profissionais envolvidos na vigilância para interromper as cadeias de transmissão estão absolutamente assoberbados e continuamos a acumular inquéritos epidemiológicos por fazer aos milhares”.
“E, portanto, estamos perante uma situação muito difícil, alertámos em tempo útil para a necessidade de reforçar estes meios e agora estamos confrontados precisamente com esta enorme escassez”, lamentou Ricardo Mexia.
Salientou ainda a importância de recrutar profissionais para esta tarefa: “nós gostávamos muito que se pudessem contratar médicos de saúde pública, mas sabemos que obviamente não existem no mercado, mas há outros profissionais que podem colaborar de uma forma muito proativa”.
Apontou os enfermeiros de saúde comunitária, os técnicos de saúde ambiental, “que estão fortemente envolvidos nestas tarefas”, mas ressalvou que neste momento não podem ser “muito exigentes com as características das pessoas que podem ajudar a reforçar estas capacidades”.
“Desde os médicos internos de outras áreas, os médicos que estão neste momento fora do sistema, outros profissionais, militares, estudantes das áreas de saúde, todos esses recursos poderiam ser úteis de facto a ajudar nesta resposta. É preciso é que cheguem às unidades”, defendeu.
Ricardo Mexia adiantou que houve alguns reforços, designadamente os militares, “mas tudo o resto foi manifestamente insuficiente para aquilo que é a procura neste momento”.
Dados do Instituto Nacional de Estatística indicam que a mortalidade em 60 concelhos portugueses foi durante o mês de dezembro 1,5 vezes superior à média dos últimos cinco anos para o mesmo período.