O Parlamento Europeu contesta o acordo político sobre o orçamento da UE para 2021-2027 na sua versão atual e está pronto para encetar negociações com o Conselho para melhorar a proposta. |
Numa resolução aprovada esta tarde com 465 votos a favor, 150 contra e 67 abstenções, os eurodeputados congratulam-se com o facto de os chefes de Estado e de Governo da UE terem aprovado um fundo de recuperação para relançar a economia, em conformidade com o que o Parlamento Europeu (PE) havia proposto em maio, considerando-o “um passo histórico para a UE”.
A assembleia europeia lamenta, no entanto, “os importantes cortes na componente de subvenções” e solicita a sua plena participação no instrumento de recuperação para assegurar um relançamento “transparente e democrático”.
Orçamento 2021-2027: PE não dará o seu aval a um facto consumado
O PE está igualmente insatisfeito com os cortes efetuados em programas orientados para o futuro no âmbito do quadro financeiro plurianual (QFP) para 2021-2027, como nos domínios da investigação, do clima, da transição digital e da juventude. Estes cortes “comprometerão as bases de uma recuperação sustentável e resiliente”, avisa, salientando que “não está disposto a dar o seu aval a um facto consumado” e que as conclusões do Conselho Europeusobre o QFP “apenas representam um acordo político” entre chefes de Estado e de Governo.
A equipa de negociação do PE sobre o QFP 2021-2027 e a reforma dos recursos próprios, da qual fazem parte os eurodeputados portugueses Margarida Marques e José Manuel Fernandes, está pronta para encetar de imediato negociações construtivas com o Conselho da UE para melhorar a proposta.
O Parlamento “está preparado para não dar a sua aprovação ao QFP enquanto não for alcançado um acordo satisfatório nas próximas negociações”, diz a resolução. A assembleia espera, no entanto, que esse acordo seja atingido “o mais tardar até ao final de outubro”, a fim de não comprometer o arranque sem problemas dos novos programas a partir de 1 de janeiro de 2021.
Cortes no orçamento plurianual põem em risco programas emblemáticos da UE
O financiamento de vários programas europeus nos domínios do clima, da transição digital, da saúde, da juventude, da cultura, das infraestruturas, da investigação, da gestão das fronteiras e da solidariedade está em risco de “sofrer uma queda imediata de 2020 para 2021”, alerta o PE. Além disso, a partir de 2024, o orçamento global da UE será inferior aos níveis de 2020, colocando em risco os compromissos e as prioridades da União, em particular o Pacto Ecológico e a Agenda Digital.
O PE manifesta a sua intenção de negociar “reforços específicos” de programas europeus emblemáticos no QFP, os quais não devem ser postos em risco devido à necessidade de financiar imediatamente o instrumento de recuperação. Entre os programas afetados encontram-se o Horizonte Europa, o InvestEU, o Erasmus+, o Fundo para uma Transição Justa e o Programa Europa Digital, entre outros.
Rede de segurança para os beneficiários de programas europeus
Os eurodeputados relembram que, caso um novo QFP não seja adotado a tempo, o artigo 312.º, n.º 4 do Tratado sobre o Funcionamento da UE prevê uma prorrogação temporária dos limites máximos do último ano do presente QFP (ou seja, 2020), o que seria plenamente compatível com o plano de recuperação e com a aprovação dos novos programas do QFP.
Mecanismo que ligue o financiamento da UE ao respeito pelo Estado de direito
A assembleia lamenta o facto de o Conselho Europeu ter “enfraquecido significativamente” os esforços envidados pela Comissão e pelo PE para defender o Estado de direito, os direitos fundamentais e a democracia no quadro do QFP e do instrumento de recuperação “Next Generation EU”.
O PE quer completar o seu trabalho de colegislador sobre o mecanismo proposto pela Comissão para proteger o orçamento da UE sempre que exista uma ameaça sistémica aos valores europeus, defendendo que, para ser eficaz, este mecanismo deve ser ativado por maioria qualificada invertida.
A proposta de regulamento relativa ao Estado de direito será negociada pelo PE e pelo Conselho da UE no âmbito do processo de codecisão.
Criação de novos recursos próprios para reembolsar a dívida
O PE reafirma que não dará a sua aprovação ao QFP sem um acordo sobre a reforma do sistema de recursos próprios (receitas da UE), incluindo a introdução de um cabaz de recursos próprios novos até ao final do QFP 2021-2027, que deverá ter como objetivo cobrir, pelo menos, os custos relacionados com o instrumento de recuperação (capital e juros).
Os eurodeputados consideram que “os chefes de Estado e de Governo da UE se eximiram a dar resposta à questão do plano de reembolso do instrumento de recuperação”, recordando que só existem três opções: novos cortes nos programas europeus, um aumento das contribuições dos Estados-Membros ou a criação de novos recursos próprios.
Só a criação de novos recursos próprios, “o único método de reembolso aceitável para o Parlamento”, pode ajudar a reembolsar a dívida da UE, salvaguardando ao mesmo tempo o orçamento comunitário e aliviando a pressão orçamental sobre os erários nacionais e os cidadãos, dizem os eurodeputados.
Revisão intercalar do QFP
O PE solicita que, o mais tardar até ao final de 2024, tenha início uma revisão intercalar “juridicamente vinculativa” do QFP. Esta revisão deve ter por objeto os limites máximos para o período 2025-2027, a redistribuição das dotações não autorizadas e anuladas do instrumento de recuperação, a introdução de recursos próprios suplementares e a realização dos objetivos em matéria de clima e biodiversidade.
Dever coletivo de solidariedade
Na resolução hoje aprovada, o PE manifesta o seu pesar pelas vítimas do coronavírus e presta homenagem a todos os trabalhadores que lutam contra a pandemia. “Face a estas circunstâncias excecionais e sem precedentes, os cidadãos da UE têm um dever coletivo de solidariedade”, diz a assembleia.
Próximos passos
O Conselho da UE irá agora finalizar o seu mandato para entrar em negociações com o PE sobre o QFP para 2021-2027, sobre o qual a assembleia europeia terá a palavra final.
A resolução hoje aprovada corrobora o mandato do PE para as negociações com o Conselho da UE, presidido neste semestre pela Alemanha.
Qualquer acordo sobre o QFP terá de ser aprovado pelo PE, por maioria dos membros que o compõem, para poder entrar em vigor. |