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Papoilas são cada vez mais difíceis de encontrar no Alentejo

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O tempo seco antecipou a ceifa das poucas searas de trigo que não deram grão e as flores silvestres desapareceram dos campos.

Tornou-se um lugar comum afirmar que a tradição já não é o que era. Mas nos dias de hoje, e numa região que está a ser fustigada por mais um ciclo de seca severa e extrema, deixou de haver condições para o Dia da Espiga continuar repleto de flores silvestres. Os campos antes moldados por extensas searas foram sacrificados ao novo modelo cultural que procura, acima de tudo, a rentabilidade económica.

Segundo o Jornal Público, nas poucas sementeira de trigo, cevada ou aveia que o passado Outono ajudou a cultivar acreditando-se num ano agrícola promissor, resta o restolho depois de uma ceifa antecipada para garantir algum alimento aos animais.

Mirna Becovicht, cidadã brasileira, arriscou atravessar o IP2 na periferia de Beja para fazer o arranjo do seu “raminho” de espiga numa pequena courela de trigo. Com uma “tesourinha” – os diminutivos e as palavras no gerúndio típicas no Alentejo já entraram no seu léxico – ia cortando as poucas papoilas que ainda se encontravam “mais ou menos” viçosas enquanto descrevia ao PÚBLICO, perante o olhar humorado do marido, como lhe estava a agradar o contacto com a natureza.

“Sou do Paraná, no sul do Brasil, celeiro de trigo, agora mais de soja e milho que garantem maior cotação no dólar, mas lá não tenho papoilinhas”. Vai formando o ramo. Só lhe falta um “galhinho” de oliveira para o poder colocar atrás de uma porta lá de casa “como diz a tradição aqui na terra”, onde diz já ter feito muitas amizades.

Teve mais sorte que Francisco Rodrigues. Na véspera da quinta-feira de Ascensão, percorreu com a esposa, de carro, os arredores de Beja. A idade e a saúde já não permitem uma caminhada pelo chão irregular dos cultivos. “Fui dar um passeio para apanhar a espiga mas papoilas, nem uma”, relata, embora acredite que mais para o interior se possam encontrar. E encolhe os ombros com resignação.

O mesmo gesto foi replicado por outras pessoas a quem o PÚBLICO perguntava se a apanha da espiga ainda lhes dizia alguma coisa. “Já não há nada disso”, reagiu com alguma brusquidão Amélia Cardoso, mais disponível para consultar o whatsapp.

Fátima Almeida e Dina Oliveira já tinham o seu dia dedicado à apanha da espiga cumprido. “Encontrar papoilas é que tem sido muito difícil. Encontramos uma grande secura”, comenta a primeira, enquanto mostra três plantas que já não têm as pétalas todas.

A espiga “faz parte da nossa história”, lembra Dina Oliveira. “Demos uma voltinha e já temos oliveira, alecrim e papoilas”, acrescenta. Ainda não encontraram malmequeres amarelos, mas vão continuar a procurar.

A conversa chegou aos ouvidos de uma amiga que passava: “Do raminho faz parte um raminho de videira”. A escassez de flores silvestres é tanta que se tornou mais fácil chegar a uma vinha que até estava a pouco mais de uma centena de metros.

A importância simbólica da composição do ramo da espiga, a que se juntam papoilas, ramos com flor de oliveira, alecrim, malmequeres amarelos e um ramo de videira, mais comum no centro e sul de Portugal, pode ter nascido de um antigo ritual cristão de bênção aos primeiros frutos. No entanto, pela sua forte ligação com a natureza, julga-se poder recuar ainda mais no tempo e ligá-lo a antigas tradições pagãs associadas às festas da deusa Flora (deusa das flores na mitologia romana) que se realizavam por esta altura do ano.

Apanhar a espiga no Alentejo, poucos dias depois da cidade de Beja ter realizado o evento das Maias, revela uma tradição carregada de simbologias. “Por onde Maio passou, tudo espigou”, diz o ditado popular, que está associado à fertilidade dos campos, que neste ano agrícola está muito longe de ser verdade nas actividades de sequeiro.

 

 

Texto: Jornal Público

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