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Pedreiras voltam a mexer no Alto Alentejo

Os preços base foram largamente ultrapassados quando foram vendidas em leilão as importantes pedreiras do Alto Alentejo, o que permite conjecturar uma retoma da actividade deste sector no Alto Alentejo.

O conjunto das pedreiras resultantes da insolvência da Granitos de Maceira, SA apresentou-se à licitação através de leilão electrónico da AvalIbérica, pelo valor que, somado, era de cerca de 1,65 milhões de euros, mas as ofertas atingiram mais de 3,3 milhões de euros, ou seja duplicaram o preço base, o que demonstra o interesse pela exploração.

Não são por enquanto conhecidos os compradores, mas pelos dados que foi possível obter, tratar-se-á de pessoas/ empresas diferentes para cada uma das pedreiras, mas obviamente que todas estão ligados ao sector.

Também a generalidade dos bens móveis – equipamentos diversos, maquinaria, veículos, mobiliário, sucata e stocks de pedra -, de um total de 139 lotes mais duas máquinas especiais foi alienado quase tudo. E alguns itens, nomeadamente stocks, muito acima do valor base, conforme nos explicou um perito que acompanhou o leilão enquanto observador e que conclui que «os preços do metro cúbico de blocos estavam marcados por preços inferiores ao de brita».

 

Apesar de ter rendido um milhão de euros, o leilão de bens móveis «ficou muito abaixo do seu valor real», explicou-nos o mesmo conhecedor. 

De um total de 18 verbas correspondentes a imóveis, ficaram por vender os que constituem a sede da empresa e fábrica, em Sintra (que tinham o preço base de 1.065.800€), mas as pedreiras do Alto Alentejo foram todas vendidas.

A de Alpalhão, a mais valiosa (granito cinza SPI da Herdade dos Cadouços, duro e de grão fino), foi a leilão por 1.215.950€ (Cadouços 1.079.750€ + Cinco Dedos136.200€) e foi arrematada por 2.169.00€ (2.002.500€ + 166.500€).

A de Castelo de Vide, de granito “branco” (claro) de grão grosso, foi por 79.900€ e ficou por 175.000€, a Jané de granito esverdeado (na Chaíça, próximo de Alagoa mas na Freguesia de São Baptista, em Castelo de Vide) ficou por 175.000€, mas neste caso, segundo os documentos consultados, o preço base era de 349.661,92€.

As de Santa Eulália (granito cinza de grão mais grosso que o de Alpalhão) foram por 192.230€ (65.830€ + 126.400€) e ficaram por 395.000€, e a de Odivelas (Ferreira do Alentejo), começou a licitação em 31.000€ e foi vendida por 102.000€  

Refira-se que a pedreira de Vaiamonte (Monforte), de granito rosa, não é propriedade da Granitos Maceira SA, que apenas detinha a sua exploração, tendo por isso apenas sido vendidos os blocos existentes. Quanto a uma eventual retoma da exploração, tal dependerá de acordo com o proprietário da pedreira.

Com a proximidade da linha TGV a Elvas, pode admitir-se também que a aquisição das pedreiras de Santa Eulália tenha em vista uma possível utilização de pedra e brita nessa grande obra.

Pedreiras

  • Alpalhão (Nisa) – 2.002.500€
  • Alpalhão (Nisa) – 166.500€
  • Castelo de Vide – 275.000€
  • Jané (Alagoa – Castelo de Vide) – 175.000€
  • Santa Eulália (Elvas) – 120.000€
  • Santa Eulália (Elvas) – 275.500€
  • Odivelas (Ferreira do Alentejo) – 102.000€
  • Blocos de Alpalhão – 177.000€
  • Blocos de Monforte – 105.555,55€
  • Blocos de Santa Eulália – 14.100€
  • Pedra na Maceira – 215.500€
  • Sucata na Maceira – 68.500€
  • Ferro-velho – 33.500€
  • Total de imóveis – 3.331.500€
  • Total de bens móveis – 1.012.023€
  • Total adjudicado – 4.343.523€

Nt. – Não foram vendidas as instalações na área da União de Freguesias de Maceira, Almargem do Bispo, Pêro Pinheiro e Montelavar/ Sintra e mais alguns dos lotes.

A pedreira de Vaiamonte (Monforte) não é propriedade da Granitos de Maceira SA, que apenas fazia a sua exploração.

Aos valores acresce 3% de comissão da leiloeira, mais IVA, bem como as despesas inerentes a escrituras, registos, transportes e outras.

A queda de um império

A Granitos de Maceira, SA, fundada pelo Comendador Francisco Ramos, iniciou-se precisamente na zona de Maceira (Pêro Pinheiro, Almargem do Bispo e Montelavar), em Sintra, uma região tradicionalmente ligada às pedras ornamentais.

Posteriormente vieram a ser adquiridas pedreiras de granito no Alto Alentejo e foram criados mais de duas centenas de postos de trabalho que duraram décadas. O caso da Singranova, em Alpalhão, foi um desses exemplos, tendo sido alienada no âmbito de um processo de insolvência anterior.

A pedreira de Alpalhão, que nada tem directamente a ver com a ex-Singranova,  começou a funcionar a 8 de Julho de 1974 e o último dia de laboração foi a 24 de Junho de 2019.

Para além da extracção de matéria-prima, tentou-se que pelo menos parte dessa matéria-prima fosse transformada localmente, o que levou à instalação da Singranova junto à pedreira com o intuito também de valorizar o aproveitamento de excedentes para a elaboração de peças de pavimentação e calcetamento, aproveitando assim a tradição dos calceteiros de Gáfete.

No caso da Singranova pretendeu-se valorizar o produto final com o trabalho qualificado dos canteiros de Gáfete, aproveitando o seu ancestral saber-fazer, valorizando-o e imprimindo valor acrescentado à matéria-prima, transformando-a em produto acabado de qualidade superior.

Com este conjunto de actividades chegou a haver mais de 200 postos de trabalho na região directamente ligados ao sector.

Mas as empresas, como todos os seres vivos e organizações são formadas por ciclos, por isso nascem, vivem e morrem, e para não morrerem têm de se reinventar permanentemente e ter forças para vencer todos os obstáculos da vida.

No caso da Granitos de Maceira, SA, em que o Comendador Francisco Ramos foi, e é, uma pessoa sempre fortemente preocupada com as questões sociais e em que continua a medir uma pedreira pelo número de postos de trabalho que permite criar, terá cometido erros, como sempre comete quem faz, e sofreu embates fortes e inesperadas.

Um empregado de há muitos anos aponta como erro o facto de o empresário, por razões sociais, ter querido manter postos de trabalho a todo o custo, sobrecarregando os custos da pedreira de Alpalhão, quando o correcto, na sua perspectiva, teria sido fazer despedimentos enquanto era possível face à diminuição de procura do material de outras pedreiras.

Guerra, economia e cultura

O mais grave, no entanto, foi a crise que afectou todo o sector das pedras ornamentais.

Começou com a crise do Koweit, invadido pelo Iraque em 1990, e depois avolumou-se com a Guerra do Golfo e a invasão do Iraque em 2003, num conflito que se prolongou e afectou drasticamente todo o mercado árabe, principal consumidor de pedras ornamentais portuguesas.

Quase em paralelo muito trabalho acabado que seguia para o Japão passa a ter uma variante. Deixa de seguir a obra pronta e passa a ir a pedra para ser trabalhada na China a preços muito mais baixos, seguindo depois para o Japão e perdendo o sector das rochas ornamentais portuguesas a mais-valia do trabalho qualificado, que passa para a China, ficando aqui só o menor valor da extracção.

Há depois ainda a agravante típica de um país continental como a China “descobrir” pedra de qualidade idêntica ao cinza fino de Alpalhão e passa a exportar já não só o trabalho em que se especializou como a própria matéria-prima, fazendo-a passar ou não por origem portuguesa.

Acresce ainda um factor cultural nipónico. O principal mercado para as pedras no Japão eram os túmulos, mas começou a implementar-se (como cá) a incineração/ cremação e por conseguinte o “consumo” de pedras tumulares baixou drasticamente. E mesmo que haja monumento para as cinzas, este é sempre de muito menor dimensão.

Com alguma retoma da economia, talvez por ironia incrementada pela própria crise resultante da pandemia do Covid19 em que se assiste a um boom imobiliário, com a procura de novos mercados e novas utilizações para o material nobre que é a pedra, e com a tecnologia sempre associada à inovação, poderemos assistir a um retomar do sector das pedras ornamentais como este leilão parece anunciar. E mesmo que haja já poucas pessoas para trabalhar nas pedreiras e ainda que este trabalho desperte pouca apetência na região, como nos diz quem acompanha o sector, se for retomada a exploração virão pessoas trabalhar para cá, virão compradores, haverá carregamentos e exportação, e as pessoas têm de dormir, de comer, de passar por cá… e alguns hão-de ficar!

In https://jornalaltoalentejo.sapo.pt/

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