“Assim Como Tu” é o livro vencedor da mais recente edição do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce, que se realiza desde 2014. Trata-se de uma história de Raquel Salgueiro, livreira de 48 anos – e há 10 anos na livraria “Cabeçudos” –, uma estreante que participou já perto do fim do prazo do de candidaturas da fase de texto do Prémio, em abril. “O texto foi escrito em pouquíssimos dias, a ver o mundo que dali parece infinito, numa praça que fica muito alta, em Castelo de Vide” refere Raquel ao Observador Lab.
Raquel Salgueiro revelou que quando lhe ligaram a dizer que era a vencedora, pensou que se tratava de uma brincadeira, uma vez que tinha comentado com amigos a sua participação. Só ao ouvir os aplausos do júri, do outro lado da linha, acreditou que era mesmo verdade. “Emocionei-me muito durante o telefonema, fiquei muito satisfeita por ter aquelas pessoas júri ali, que eu considero tanto, e a aplaudirem-me, a darem-me os parabéns”, afirma Raquel.
Mas nem só de palavras vive este livro, que repete a fórmula de sucesso das edições anteriores. Depois de imaginada a aventura, as personagens e acontecimentos ganham vida própria e partem à procura de quem lhes dê cor: e é aí que entra o concurso de ilustração. Conhecida a história vencedora, é preciso combinar as palavras e o desenho, a fim de desenvolver uma aposta narrativa e colorida para os mais pequenos – e não só.
Jorge Margarido, designer gráfico de 45 anos, distinguiu-se entre os participantes da fase de ilustração do Prémio e foi anunciado como o vencedor, apontando como um dos segredos o facto de ter estado “sempre ligado à história e mensagem do texto da Raquel”. Descreve o seu processo criativo como “caótico”, algo que passou a aceitar na forma como o seu traço ganha vida: “Acabo por fomentar esse caos, porque acho que é uma boa maneira de dar início a um trabalho criativo”, confessa Jorge.
São quase 300 os quilómetros que separam Jorge, a residir no Porto, e Raquel, no Alto Alentejo. Foi a história, desenvolvida por Raquel numa primeira fase, que uniu os seus talentos. “Houve um entendimento natural entre as (nossas) linguagens. O Jorge fez uma leitura da história e voltou a contá-la, e a recriá-la, visualmente com as suas ferramentas”, considera Raquel, acreditando que o livro ficou melhor como resultado desse encontro feliz entre os dois. “As ideias não se intersetaram, mas reuniram-se, tendo saído maiores e mais bonitas”, sintetiza.
“Houve um entendimento natural entre as (nossas) linguagens. O Jorge fez uma leitura da história e voltou a contá-la, e a recriá-la, visualmente com as suas ferramentas”
Perceber como ilustrar “Assim Como Tu” representou um desafio extra para Jorge, por se tratar de uma história de outra pessoa, que envolvia uma interpretação da sua parte. Não sendo uma tarefa impossível, era sem dúvida exigente: “A minha interpretação foi que aquilo era um texto sobre a humanidade de uma maneira geral, e sobre o que é ser humano e o despertar para essa humanidade vista pelos olhos dessa criança”, descreve o ilustrador.
Já em relação ao estilo da ilustração, Jorge diz estar numa fase mais ligada ao “imediatismo”: “Um desenho o mais expressivo possível, sem estar muito preocupado se há coisas que podiam ser consideradas eventuais erros ou não, ou seja, que o desenho não pareça muito polido”, sublinha. A inspiração? “Roger Duvoisin [escritor e ilustrador americano], para mim, é um mestre, e os livros dele são, em parte, a minha escola”, responde Jorge.
Ninguém melhor do que Raquel para atestar de que trata, afinal, o seu texto, que só vai ser totalmente revelado no final de novembro, quando o livro exclusivo estiver disponível nas lojas Pingo Doce. Tudo começou na vontade de escrever uma história sobre pessoas; todas as pessoas. “Peguei na história de uma pessoa que se vai construindo ao longo das linhas e das entrelinhas, rodeada de muitas outras pessoas, mais ou menos iguais a ela”, conta Raquel. O objetivo é que esta seja uma narrativa para todas as pessoas de todas as idades – porque um livro infantil não é necessariamente só para crianças. Pode até, no entender da autora, ser uma experiência familiar de descoberta.
“Peguei na história de uma pessoa que se vai construindo ao longo das linhas e das entrelinhas, rodeada de muitas outras pessoas, mais ou menos iguais a ela”
Os vencedores vão dividir o prémio monetário de 50 mil euros, como habitualmente acontece no Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce. Além de considerem o prémio – e o valor – um bom incentivo, estão focados em fazer cada vez mais. “Tenho ouvido palavras muito queridas de pessoas ainda mais queridas, amigos e família, que me têm alimentado o sonho de poder voltar a sentar-me em frente àquela folha branca”, afirma Raquel, lançando o desafio a que mais pessoas arrisquem “sem medo”, até porque “há pessoas que já têm muitas histórias pensadas e muitas histórias semi escritas”. Jorge, que já tinha participado noutras edições, acredita que o concurso é uma boa oportunidade, pelo que se deve tentar para melhorar e, eventualmente, até ganhar. “Esta é uma ótima oportunidade de ganhar visibilidade e de ganhar um prémio que possa servir para financiar projetos futuros. Mesmo as pessoas que concorreram e não ganharam têm de continuar a insistir, porque eu próprio já tinha concorrido antes não ganhei”, evidencia.
Fonte: Observador