A Ministra da Cultura, Graça Fonseca, esteve no passado sábado, dia 6 de junho, na cidade de Évora, onde foi recebida com uma manifestação de mais de uma centena de profissionais do setor artístico, à porta do centenário Teatro Garcia de Resende, onde a governante visitou as obras de requalificação. A Rádio Campanário falou com alguns manifestantes, para saber quais as suas reivindicações e as suas necessidades.
Lurdes Nobre é produtora da companhia eborense “Armazém 8”, que conta com 12 profissionais exclusivamente dedicados ao setor das artes, e foi uma das organizadoras do protesto. Em declarações à nossa emissora, a produtora afirma que “a primeira coisa que a nossa classe quer reivindicar é a criação de uma linha que seja mesmo de emergência e não concursos de apoio” e também “a criação de uma lei de bases para a Cultura, medida que está prometida desde 1976 e que até hoje ainda não aconteceu”.
A produtora frisou que os trabalhadores do setor da cultura foram “completamente esquecidos e deixaram-nos à nossa sorte. Nós que somos sempre solidários com as outras crises de todos os outros setores e de todo o país, neste momento estamos sós. A grande parte dos profissionais da cultura estão com graves dificuldades, porque ficaram sem trabalho e sem rendimentos e provavelmente não retomarão a trabalhar este ano”.
Lurdes Nobre contou ainda que conhecimento de vários casos de amigos do setor que estão em grandes dificuldades: “Aqui no Alentejo, os familiares e amigos estão a conseguir assegurar situações complexas. Mas tenho amigos, especialmente na zona de Faro, Lisboa e Porto, que estão a passar fome e nós temos enviado cabazes de alimentos. Também há que já tenha entregue a casa ou até mesmo os filhos a familiares, porque não têm como os alimentar”, lamenta a organizadora da manifestação.
Sobrea a atual situação do Armazém 8, a produtora disse que “estamos sem trabalhar desde o mês de março e todos os trabalhos que tínhamos com autarquias até setembro caíram todos. Não houve nenhuma que tivesse pago metade desses trabalhos”.
Lurdes Nobre afirmou ainda que segundo o Instituto Nacional de Estatística, a cultura vale no PIB 2,7 mil milhões de euros. Porém, “para a Ministra da Cultura, a cultura vale zero”, deixando ainda uma mensagem a Graça Fonseca: “Um país que não leva a sua cultura a sério, não é um país a sério”.
Paulo Roque tem 25 anos e é ator a recibos verdes. Para este jovem, não há dúvidas de que “a Cultura, se não foi esquecida, foi passada para segundo plano”. Referiu que se manifesta para reivindicar “que possamos trabalhar e viver da cultura sem precariedade”.
O ator disse que não entende “como é que há apenas um milhão de euros para ajudar o setor da cultura, mas há quase mil milhões para ser colocado a fundo perdido no Novo Banco, dinheiro esse que sai do bolso dos contribuintes”, o que para Paulo Roque só demonstra que a cultura “não é uma prioridade, infelizmente”.
Nesta fase pandémica, o manifestante diz que sentiu na pele essa falta de apoio no setor, pois “para além de ator a recibos verdes, também dou aulas e estive dois meses sem ter rendimentos. É muito triste para mim ter 25 anos e ver-me forçado a voltar para casa dos meus pais, porque não ter rendimentos”.
Paulo Roque aproveitou ainda para deixar uma mensagem à Ministra da Cultura e ao Governo, através dos microfones da Rádio Campanário “a Cultura não pode ficar para segundo plano, porque é a base de um país, assim como a educação e a saúde”.
David Almeida é estudante da licenciatura de Teatro da Universidade de Évora e quer reivindicar mais apoios “para os estudantes das áreas artísticas e a todos os trabalhadores do setor da cultura em Portugal”. Afirma que o Governo tem deixado a cultura para trás, “porque desde a década de 2000 que os apoio ao setor têm diminuindo”.
O estudante quis também marcar presença para deixar o seu apoio “aos profissionais das artes, muitos deles que até estudaram no mesmo curso que eu” e sente que “no futuro vou ter muitas dificuldades a nível profissional e por isso também estou aqui para mostrar que a cultura é importante, que existimos e que somos necessários, porque a cultura portuguesa tem muito potencial e temos tanto valor como qualquer outro setor”.
Ana Meira e Vítor Zambujo são atores e aos microfones da nossa emissora alertaram que há o risco de “a cidade de Évora estar a candidatar-se a ser Capital Europeia da Cultura em 2027 e não temos ninguém do setor a ser apoiado. Temos companhias no Alentejo com mais de 45 anos e estão sem qualquer apoio”. Exigem respostas do Governo e do Ministério aos apoios às companhias e associações culturais e Ana Meira que faz parte da Companhia Dramática de Évora e trabalha com os Bonecos de Santo Aleixo afirmou que “neste momento não sabemos os apoios que temos para este ano”. Vítor Zambujo teceu duros comentários a Graça Fonseca, afirmando que “esta ministra é de uma incompetência impensável e não conhece a realidade. Só tem servido as elites e está a destruir tudo o resto, e aqui o Alentejo não foge à regra. Está a dar uma machada nisto, que quem vier a suceder na tutela vai ter dificuldades em recuperar o setor”.
Na manifestação também estiveram pessoas de outras áreas, que mostraram a sua solidariedade com o setor cultural. Julema Gaspar é professora do ensino primário reformada e defendeu que “a cultura é essencial na vida de um povo. Ela representa as formas de vida dos nossos antepassados e também as projeções futuras e ela é indispensável”. Afirmou ainda que “as pessoas deste setor têm vivido muitas dificuldades e sem rendimentos sobretudo nesta fase pandémica” e pede à Ministra da Cultura que “não se esqueça da cultura, pois ela será sempre essencial no país”.
Em Évora, a Ministra da Cultura visitou ainda uma livraria, o Laboratório Hércules da Universidade de Évora e inaugurou uma exposição na Fundação Eugénio de Almeida.