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Quinta-feira, Abril 25, 2024

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Do Alentejo aos Açores António Maçanita dá lições de enologia criativa

António Maçanita, enólogo, tem onde ir buscar uvas raras excelentes e não hesita em pôr em prática as suas ideias audazes – e no mercado, em garrafeiras, restaurantes selecionados e na sua loja online, que por estes dias dispõe de packs não só de Natal, mas também beneficentes, com metade dos lucros a reverter para o combate à COVID-19, via Cruz Vermelha

Entre as novidades que o enólogo lançou este outono, o vencedor no campeonato das surpresas é O Alfrocheiro TB Quer Estar Nu. Maçanita percebeu que o Alfrocheiro que cultiva no Alentejo, nas vinhas da Adega Fita Preta, apesar de vir de casta mal-amada, por falta de cor e corpo, tinha qualidade suficiente para se estrear a solo e ombrear com as nobres Alicantes e Tourigas.

De perfil elegante, este monovarietal é perfeito para aprender tudo sobre os aromas florais e exóticos do Alfrocheiro, uma das castas mais plantadas em Portugal, mas que, como se explica no contrarrótulo, precisa de tempo para se apurar: este só podia vir de uma vinha velha, com 47 anos, de cepas bem retorcidas.

Outra surpresa vem de mais uma casta tinta mal-amada: a Castelão de película grossa, ideal para resistir tanto às chuvas como aos escaldões e à podridão, que nas encostas da Arrábida, Península de Setúbal, tem o nome de Periquita e, no Ribatejo, chama-se João Santarém. O Tinto de Castelão alentejano de Maçanita é outra coisa: em vez de tirar muito volume de cada parcela, e a casta dá para isso, fez o inverso para criar excelência.

Também chamada Tinta Amarela, a Trincadeira Preta é, na verdade, uma casta frágil: de película fina, estraga-se facilmente, tanto com chuvas, que a apodrecem, como com escaldões, que a secam. Portanto, “não é tão preta” como a designação oficial sugere, antes pouco carregada, com aromas a fruta fresca, que desaparecem se não for colhida no tempo certo – é o que mostra o vinho de Maçanita e o que sintetiza o nome que para ele escolheu.

Outra lição é o Moreto, que poucos sabem ao que sabe, uma vez que nunca aparece a solo, sendo só usado, em parcas quantidades, para dar frescura aos lotes. De maturação tardia, adora calor mas nunca se eleva no açúcar nem na cor e os seus aromas são muito suaves e o corpo leve. Maçanita consegue mostrar-lhe a graça, a partir da vinha velha que trabalha no sopé da serra d’Ossa, Chão dos Eremitas, adjuvada pelo contacto prolongado com as películas e estágio de ano e meio em barricas velhas.

Também do Chão dos Eremitas vem a Tinta Carvalha, que nem parece ser do Alentejo: tem uma mineralidade que lembra serras altas, própria da casta mas sublinhada com o estágio em inox. É um tinto para peixe assado, não há muitos. Mas há brancos, claro – como o de talha criado por Maçanita com Roupeiro (que é a Síria na Beira) e Antão Vaz (sublime no Alentejo). Aos aromas típicos das castas juntam-se as notas do barro, que evocam terra molhada. Isso mesmo se nota também n’O Tinto do Pote de Barro, fresco, musculado e agreste como uma noite de tempestade, o chamado vinho para “homens de barba rija”.

Dos Açores vêm outras lições do enólogo, com castas tão raras que não existem em mais lugar algum: o Terrantez do Pico, que esteve em risco de extinção e Maçanita ressuscitou, encepando-o também em São Miguel (agora na colheita de 2019), e o Arinto, bem diferente do continental, plantado nas fendas das rochas do Pico, debruadas a muros de pedra que o protegem e são Património Mundial – na versão Indígenas (mais contido) ou Sur Lies (que implica tempo passado em contacto com os resíduos, ou borras, após a fermentação), é companheiro ideal para marisco, acentuando-lhe o sabor a mar com a sua frescura única, atlântica.

 

(Fonte: Revista Sábado)

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