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Festival Imaterial regressa a Évora em outubro com concertos, cinema e conferências

De 1 a 9 de outubro decorrerá em Évora a 2ª edição do Imaterial. Um festival que dá vida à expressão “património pensado e vivido”.

Se em 2014, a Unesco elevou o cante alentejano a Património Imaterial da Humanidade, a verdade é que a tradição começa quando um costume ou hábito aprende a infiltrar-se na vida das gentes e, como se tivesse estado sempre ali, procura a eternidade na transmissão de geração em geração, assumindo-se como um saber e uma história partilhados. Foi com base nesta premissa que em 2021 nasceu o Imaterial, que, na sua 1ª edição reuniu músicos de lugares como Azerbaijão, Catalunha, Estónia, França, Galiza, Mali, Mongólia, Portugal, Sardenha e Turquia.

Regressa em 2022, procurando seguir o exemplo das tradições que celebra, e tentando constituir-se como um local de transmissão de saberes e culturas entre diferentes povos e gerações. Entre muitos outros artistas está desde já confirmada a presença de um conjunto de músicos que são, cada um à sua maneira, intérpretes daquilo que significa tomar o passado por referência para inventar uma música de hoje: Parvathy Baul (Índia), Tarta Relena (Catalunha), Annie Ebrel & Riccardo Del Fra (Bretanha), Saz’iso (Albânia), Amélia Muge (Portugal), Natch (Cabo Verde) e Lia de Itamaracá (Brasil).

Além de música, a programação da 2ª edição do Imaterial integra, pela primeira vez um Ciclo de Cinema Documental com curadoria de Lucy Durán, uma etnomusicóloga britânica, produtora de discos e apresentadora de rádio. Atualmente é professora de música na Universidade SOAS (Londres, Reino Unido), com especial referência para a África Ocidental e Cuba. E ainda autora de diversos documentários. O Festival Imaterial contará com a estreia mundial de The Dance of the Hyena (Mali 2022), realizado por Moustapha Diallo e Lucy Durán.
 
À semelhança do ano anterior, o programa inclui ainda um Ciclo de Conferências, que promovem um encontro entre o património edificado e o património imaterial, animado por um desejo de colocar os dois em diálogo, mas também pelo compromisso de agitar o pensamento em torno destes legados.
 
Será entregue o Prémio Imaterial que visa, saudar e agradecer a uma personalidade ou artista cujo percurso, inscrito nessa lógica de atar passado e presente, tenha sido decisivo no incentivo ao diálogo entre diferentes culturas, no estímulo ao cumprimento dos direitos humanos, e na defesa da igualdade de relacionamento e da paz entre os povos.

Decorrerá ainda o Encontro Ibérico de Música, um palco onde se apresenta uma nova geração de artistas do território ibérico, que conta com parceiros da Galiza, País Basco e Catalunha.

Toda a programação da 2ª Edição do Imaterial é de acesso gratuito mediante lotação dos espaços onde decorre.

E porque ouvirmo-nos é a melhor forma de percebermos quem somos e onde estamos, o Imaterial convida a que nos encontremos de novo em Évora. Porque este é, realmente, um festival que se pensa como lugar de encontro.

 
+ Informações sobre o Festival Imaterial

As músicas locais fazem parte da História dos povos, definem-nos e identificam-nos, ajudam a contar as suas vidas e a fixá-las naquilo que têm de único. Sobrevivem através da transmissão direca e fornecem a novas gerações uma cartografia que sinaliza de onde vêm e a herança identitária que lhes é passada.
O Imaterial parte dessa noção aguda de que a música existe no espaço e com ele dialoga. De que as culturas se relacionam mesmo quando podem ignorá-lo e de que são organismos vivos, em constante transformação, tecendo uma linha que liga, em permanência, passado e presente.
Num tempo em que muros, fronteiras e isolamentos tentam separar-nos do outro, o Imaterial é também um palco aberto para essa noção de que o outro é, afinal, cada um de nós nascido noutra circunstância.
A programação do Festival Imaterial é da autoria de Carlos Seixas, diretor artístico e produtor do Festival Músicas do Mundo de Sines, eleito entre os 25 melhores festivais de world music do mundo pela Songlines.
O Festival Imaterial tem a Gindungo como produtora executiva. A organização do Festival é da Câmara Municipal de Évora e da Fundação Inatel. Está incluído no programa geral da candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura em 2027.
 
Artistas já confirmados:

PARVATHY BAUL – Índia
O mestre de Parvathy Baul, o cantor e guru Sri Sanatan Das Baul, apontou claramente para aquele que acreditava ser o desígnio maior da sua discípula: estabelecer uma ponte entre o mundo ancestral dos mestres baul e o mundo moderno. E as suas instruções para cumprir esta missão foram simples: toma nota, arquiva e ensina. Desta forma, aprendendo com os seus antepassados do povo Baul, um grupo de músicos místicos da região de Bengala, cabe a Parvathy Baul espalhar as canções deste reportório, deixando que encontrem novos públicos e possam depositar os ensinamentos baul dentro de cada ouvinte. E é fácil perceber como a cantora espalha esta música, que se mistura com uma prática espiritual, ao escutar a forma como a sua voz serpenteia por entre as notas do ektara, o cordofone que vai tocando para acompanhar o seu canto. Podemos desconhecer o significado de cada uma das suas palavras, mas somos levados pela sua voz até um lugar de transcendência impossível de recusar.

TARTA RELENA – Catalunha
Amigas de infância, há muito que Marta Torrella e Helena Ros sabem que há qualquer coisa de muito especial a acontecer quando juntam as suas vozes. Mas só depois da passagem por um grupo coral, de onde trouxeram uma preciosa intimidade com música sacra, renascentista, barroca e romântica, é que perceberam o quanto os seus vários interesses musicais podiam metamorfosear-se numa linguagem própria. É a curiosidade sôfrega a levar que as Tarta Relena tanto cantem afinadas por essas referências longínquas clássicas quanto pelas músicas tradicionais de várias regiões mediterrânicas. Às vozes, centro absoluto da sua música, juntaram no aclamado álbum de estreia, Fiat Lux, apontamentos electrónicos que se estendem como um tapete para as suas melodias entrelaçadas. A singularidade da proposta duo desaguou na criação de um género próprio a que chamam “folk tronadet [arruinada ou estragada, em catalão]” ou “gregoriano progressivo”. Tão enigmático quanto fascinante.

ANNIE EBREL & RICCARDO DEL FRA – Bretanha
O encontro entre a cantora bretã Annie Ebrel e o contrabaixista italiano Riccardo Del Fra aconteceu em 1996 e, pouco depois, esta incomparável união musical ficaria eternizada no álbum Voulouz Loar – Velluto di Luna, prémio Diapason d’Or 1999. Ebrel vinha dos seus dois primeiros discos (um registo a cappella e um colaboração com o grupo Dibenn), enquanto Del Fra se sediara em França e aproximara da música tradicional da Bretanha depois de uma década a acompanhar Chet Baker. Voulouz Loar ganharia a aura de clássico instantâneo pelo regresso a uma simplicidade em que a essência da música bretã se apresentava num despojamento contrário às aventuras eletrificadas e orquestradas que então a fustigavam. Ao invés dessas modernizações, Ebrel cantava num tocante desamparo os gwerzioù (lamentos em bretão) e d’airs de danse, enquanto Del Fra pingava notas choradas pelo contrabaixo à sua volta. A recente reedição do álbum leva-nos agora à redescoberta de um mundo delicado e inebriante.

SAZ’ISO – Albânia
Até à edição, em 2017, do álbum At Least Wave Your Handkerchief at Me, o saze era um género musical que pouco tinha viajado para lá das fronteiras da Albânia. Tinha viajado, é verdade, na bagagem daqueles que deixaram o país aquando do colapso económico de 1997, mas sobretudo como fio que ligava esses migrantes às memórias mais profundas da sua origem. Tudo mudou quando o produtor Joe Boyd (que trabalhou com Pink Floyd ou Nick Drake), há muito intrigado por uma gravação rudimentar que lhe chegara do Festival de Folclore de Giirokastër, decidiu partir para a Albânia à procura dos sons que o tinham encantado e juntou as vozes encantatórias de Donika Pecallari, Adrianna Thanou e Robert Tralo aos instrumentos que ajudam a dar forma a estes “blues albanianos”. Foram eles os protagonistas do álbum que espalhou o feitiço do saze pelo mundo, a partir de um reportório que, segundo descrição da revista Songlines, tem um efeito “do outro mundo, misterioso, melancólico e assombroso”.

AMÉLIA MUGE – Portugal
Cantautora discreta, Amélia Muge é um dos maiores tesouros da música popular portuguesa, trazendo, sem esforço, as raízes e as tradições para a contemporaneidade, num caminho que faz dela a mais justa seguidora de José Afonso, José Mário Branco e Fausto. Autora de fados cantados por Ana Moura, Camané ou Mísia, é no seu trabalho em nome próprio – engrandecido pela valorosa colaboração de António José Martins – que viaja entre os sons sorvidos na sua infância moçambicana, as profundezas das regiões portuguesas e o experimentalismo electrónico que conhecemos de Laurie Anderson. O seu último álbum, Amélias, lançado 30 anos após a sua estreia discográfica e logo carimbado como obra-prima da música nacional, transporta no título as muitas dimensões da sua música. Ao Expresso, dando uma impressiva imagem do tanto que cabe nas suas canções, Amélia Muge descreveu o disco como situando-se “entre o canto dos Neanderthal e o HAL 9000 de 2001 Odisseia no Espaço”.

NATCH  – Cabo Verde
A História da música é fértil em descobertas tardias, colocando-nos diante de súbitos maravilhamentos desencadeados por homens e mulheres que, tendo chegado ao mundo com um dom extraordinário, passam décadas na sombra. Até ao dia em que um despertar coletivo tenta compensar os anos em que não ouvimos, por exemplo, a voz de Natch Eugénio Costa Santos. Nascido em São Tomé mas levado para Cabo Verde aos seis meses, Natch é uma daquelas vozes que parece existir fora do tempo, feita de uma doçura que inunda as “suas” mornas de uma vida passada nas ruas do Mindelo. Vocalista do grupo Kings, nos anos 80, e durante algum tempo cantando a troco das moedas de quem passava por aquele canto sem tecto, Natch é um conhecedor profundo da morna e da coladeira, os géneros que Cesária Évora espalhou pelo planeta. E é o encontro entre a sua história pessoal e o seu entendimento inesgotável das músicas locais que se desprende de cada sílaba que nos canta. Como se Natch e a morna fossem um só.

LIA DE ITAMARACÁ – Brasil
Maria Madalena (Lia) quis que a ilha onde nasceu, Itamaracá, andasse sempre consigo palcos fora. Daí que tenha escolhido como nome artístico Lia de Itamaracá, espetando uma bandeira nesse território do litoral norte de Pernambuco. Mas a sua música é tudo menos uma ilha. Ainda que seja conhecida como a “Rainha da Ciranda”, as suas canções são um lugar de cruzamento e mestiçagem, impregnadas de ritmos tradicionais como o coco, o maracatu, o frevo, o maxixe e, claro, a ciranda. Entre composições próprias e clássicos da MPB, a septuagenária Lia de Itamará deixa baixar em si o espírito da ciranda – dança em que as pessoas se unem pelas mãos e formam um grande círculo, promovendo um sentido de celebração coletiva. É esse mesmo sentido de festa e de partilha que esta lenda da cultura nordestina planta em palco. Ou não assumisse como lema de vida que “a tristeza não pode com quem é alegre por natureza”.

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