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Registo do capote alentejano “é mão cheia de nada”, defende especialista em proteção de propriedade intelectual

O registo do capote e da samarra alentejanos feito por um particular “é uma mão cheia de nada” e só foi possível graças ao “próprio sistema”, defendeu hoje um especialista em proteção de propriedade intelectual.

Em declarações à agência Lusa, o diretor jurídico da consultora Inventa, Vítor Fidalgo, considerou que deve ser pedida a anulação deste registo, porque “não preenche os requisitos”, e, por isso, “é uma mão cheia de nada”.

Se o caso chegar a tribunal, não terá “qualquer hipótese”, pois, “ninguém” pode “fazer a tutela de uma coisa que não tem”, afirmou o também advogado e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Segundo este especialista, a concessão deste tipo de direitos exclusivos “está sujeita a determinados requisitos” e, no caso específico dos desenhos ou modelos, na gíria design, um deles “é a novidade”.

“Eu não posso registar nada que não seja novo e que não tenha um contributo para a sociedade, porque a conceção desse tipo de exclusivos só é permitida se houver algum benefício e não é quem chega primeiro”, vincou.

Alguns produtores de capotes, samarras e capas típicas do Alentejo foram surpreendidos, em novembro passado, com avisos do titular dos direitos de registo deste tipo de vestuário para pararem as vendas ou pagarem licença, por violação de direitos.

Neste caso, frisou o especialista em proteção de propriedade intelectual, “há uma tentativa de fraude”, a qual “é também promovida pelo próprio sistema”, nomeadamente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

“Alguém se lembrou de registar algo que já existe há muitos anos” e pedir o pagamento de ‘royalties’ (compensações financeiras), mas “o capote é um produto cultural português usado por pastores alentejanos desde tempos imemoriais”, disse.

O registo de propriedade dos desenhos e modelos do capote e da samarra no INPI, salientou Vítor Fidalgo, foi possível porque este procedimento, ao contrário de outros, “não está sujeito a exame substancial”.

“Isto é, o instituto, quando analisa a concessão desse tipo de direitos, não analisa substancialmente e, se ninguém reclamar, ele é concedido”, indicou, advertindo que este sistema pode promover “a concessão de direitos fraudulentos”.

O também professor universitário notou que, por exemplo, no caso do registo de patentes, “isto não acontece”, porque o INPI “faz uma avaliação” do pedido.

“Já no casos dos desenhos e modelos, é difícil para o instituto verificar se é novo ou não, porque são muitos pedidos, e opta-se por um sistema em que quem faz essa fiscalização são os terceiros, ou seja, quem se sentir lesado”, referiu.

Vítor Fidalgo alertou que, com outros “produtos menos conhecidos” que o capote e a samarra, a fiscalização por terceiros pode não ser feita e, assim, é possível que “algumas pessoas consigam, com meios fraudulentos, obter ‘royalties’ de onde não poderiam”.

Na semana passada, a Câmara de Évora exigiu a anulação do registo do capote e da samarra alentejanos, através de uma moção proposta pelos eleitos da CDU e aprovada por unanimidade.

Também os deputados do PS eleitos pelos círculos eleitorais do Alentejo já questionaram o Governo sobre o caso e mostraram-se “indignados” com o que consideraram ser “a usurpação abusiva” deste património cultural.

A diretora regional de Cultura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira, em declarações à Lusa, indicou que os serviços deste organismo do Estado já estão a analisar o processo e admitiu que possa ser pedida “a anulação deste registo”.

Para evitar situações semelhantes no futuro, adiantou a responsável, está a ser estudada a inscrição deste vestuário no Inventário Nacional do Património Imaterial e a obtenção do registo da denominação de origem.

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