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Quarta-feira, Abril 24, 2024

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Vinhos – Há um imenso Alentejo para descobrir!

Das altitudes de Portalegre às planuras de Beja. Da influência atlântica do Sudoeste até às estepes semi-desérticas do Guadiana. A diversidade do Alentejo só tem paralelo na sua dimensão e este é um mundo inteiro para descobrir. De copo na mão, claro, avança a publicação “Grandes Escolhas”, num artigo sobre os Vinhos do Alentejo, assinado por Francisco Henrique. .

Cinco colunas de vidro com exemplos de diferentes tipos de solos. Seis painéis de vídeo que passam imagens do quotidiano em paisagens e ambientes completamente distintos. Uma extensa galeria de caixas de vinho, identificadas com os logotipos dos produtores e com garrafas para descobrir. O Alentejo em toda a sua diversidade. E está tudo aqui, na Sala de Provas da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, em Évora, praticamente à porta da velha Sé, datada do século XIII e a maior catedral medieval do país.

No Alentejo a história está por todo o lado, tantas vezes preservada de forma quase pristina – a dimensão do território, a fraca densidade demográfica e o “esquecimento” a que a região foi votada durante longos períodos ajudam a explicar esta realidade. É como se o passado tivesse sido protegido pelo próprio tempo – que, como é sabido, passa mais devagar nestas paragens banhadas pelo sol do Grande Sul. E também a história do vinho alentejano é longa e recheada de altos e baixos.

Os detalhes fundamentais estão explicados na “sala de visitas” da CVRA, que sonha agora com a retoma do movimento turístico “congelado” pela pandemia no último ano. Tartessos, Fenícios, Gregos, todos viram no território português – e, nomeadamente nas terras quentes do Alentejo – o potencial para cultivar a vinha, muito provavelmente introduzindo variedades mediterrânicas.

Quando os Romanos chegaram, encontraram uma cultura do vinho já bem difundida entre as populações locais e, como era seu timbre, desenvolveram-na de forma a torná-la mais organizada e mais produtiva. A marca romana continua hoje bem evidente na cultura dos vinhos de talha, uma tradição milenar que nos últimos anos ganhou notoriedade pública, mas que nunca deixou de ser acarinhada pelos produtores locais.

Seguiram-se as invasões bárbaras e, depois, o domínio muçulmano. A islamização do território implicou o abandono de muitas vinhas, que só começaram a recuperar quando terminaram as guerras da reconquista e o reino de Portugal se estendeu até ao Algarve. Durante a era dos Descobrimentos, os vinhos de Évora ganharam fama e correram mundo nos porões das naus e caravelas portuguesas. Era mais um ponto alto, nesta montanha-russa de sucessos e apagamentos. Seguiu-se novo período difícil, com a Guerra da Restauração, primeiro, e a criação da Real Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Douro, em 1756, por decisão do Marquês de Pombal. O poder administrativo puxava para Norte o epicentro da produção vitivinícola nacional e os vinhos do Alentejo voltaram a perder visibilidade.

Muito por onde escolher

Já no século XIX, a “febre” voltou e as vinhas regressaram ao grande território alentejano, mas depressa a filoxera deitou tudo a perder e, já no século XX, os políticos voltaram a entrar em cena: o Estado Novo decretou que o Alentejo era terra de produção de cereais e as vinhas passaram a ser residuais, de auto-subsistência. Décadas depois, as adegas cooperativas e uma mão-cheia de produtores privados conseguiram voltar a pôr o vinho alentejano no mapa e em 1989 foi finalmente criada a Comissão Vitivinícola Nacional Alentejana – o que torna esta região uma das mais recentes em Portugal. Mas, em poucos anos, o sucesso foi estrondoso: hoje, com mais de 22.000 hectares de vinhas, o Alentejo tem cerca de dez por cento da área plantada, mas a sua quota no mercado interno ronda os 40 por cento.

Os vinhos de Denominação de Origem Controlada (DOC) do Alentejo estão divididos em oito sub-regiões – Portalegre, Borba, Redondo, Reguengos, Évora, Vidigueira, Granja-Amareleja e Moura – e a sua variedade espelha o enorme mosaico de solos e micro-climas que encontramos nos distritos de Portalegre, Évora e Beja. Um território vasto e recheado de sedutoras propostas para qualquer viajante, num cardápio em que o vinho e a comida estão no centro das opções. Naturalmente, a oferta enoturística é, também ela, variada e cativante.

Os safaris fotográficos na Herdade do Sobroso (junto ao Alqueva, entre Moura e Vidigueira), as ruínas romanas na atmosfera casual-chic do Torre de Palma Wine Hotel (Monforte), o requinte e a vastidão de horizontes da Herdade da Malhadinha Nova (Beja), a organização e política ambiental do Esporão (Reguengos), os arrojos arquitectónicos da Adega Mayor (Campo Maior) ou da Herdade do Freixo (Redondo), o silêncio e a beleza pura da paisagem na Herdade Monte do Vau (Serpa), as ligações à cultura na Cartuxa (Évora) ou na Quinta do Quetzal (Vidigueira). E podíamos continuar por aí fora…

Com tantas opções – e num território onde as principais localidades estão, na maior parte das vezes, separadas por dezenas de quilómetros – dá muito jeito poder planear a nossa rota. E a CVRA disponibiliza a ferramenta ideal para o fazer: na Sala de Provas, em Évora, foi instalado um ecrã onde podemos definir as características dos locais que pretendemos visitar, seleccioná-los, traçar os itinerários e enviar a informação para o nosso e-mail. Isto, claro, contando sempre com a colaboração das pessoas que ali trabalham e podem dar uma ajuda preciosa.

Um templo escondido

Iniciemos antão, também nós, uma pequena jornada de descoberta do que o Alentejo tem para oferecer. Desta vez, a tarefa de desenhar um percurso coube à própria CVRA, mas há um verdadeiro mundo de oportunidades entre as sete dezenas de produtores que incluem a Rota dos Vinhos alentejana. Uma profusão de experiências vínicas que não se excluem do contexto circundante: o Alentejo dos vinhos funde-se com o Alentejo da gastronomia, com o Alentejo do património histórico, o Alentejo da cultura, o Alentejo do lazer.

E, nem de propósito, a nossa primeira paragem não é um projecto vitivinícola. Uma pequena caminhada pela velha cidade património mundial da UNESCO, que agora começa a redescobrir a animação dos tempos pré-covid, leva-nos até um edifício de três andares, numa ruela insuspeita. À porta, uma placa em latim: In Acqua Veritas. Vamos entrar nuns banhos romanos.

Laura Martins e Pedro Branco são dois dos quatro sócios (os outros são os seus respectivos cônjuges) que há dois anos abriram as portas deste verdadeiro templo do bem-estar. A inspiração veio dos banhos árabes, mas a realidade de Évora, onde a herança romana é notável, levou a algumas adaptações. Quando entramos, numa recepção arejada e elegante, começamos a ter uma ideia do que nos espera quando olhamos para as incríveis abóbodas em tijolo (havemos depois de descobrir que são seis, todas diferentes umas das outras) que pairam por cima da nossa cabeça. Mas nem isso nos prepara para a atmosfera extraordinária da zona de banhos. Três piscinas – água morna (31ºC), água quente (40º), água fria(16º) –, zona de massagens, bar ao fundo com mesas e cadeiras. E tudo isto entre paredes seculares, onde tijolo antigo e pedra se vão cruzando, arcos embutidos em sucessivas eras de construção, recantos, nichos.

As termas abriram há dois anos, após um longo período de obras com acompanhamento arqueológico, mas é como se estivessem agora a entrar numa segunda vida – como quase tudo em Portugal, foram obrigadas a fechar por força da pandemia. Neste momento, por razões de segurança e higiene, funcionam apenas mediante marcação e os preços começam nos 39 euros da Experiência Banhos (máximo duas horas), mas o menu inclui ainda as opções Degustação (vinhos, queijos, enchidos, fruta) e Massagem. No Inverno é acolhedor e quentinho, no Verão “é dos sítios mais frescos de Évora”, salienta Pedro. E está a ser um sucesso. “Há quem venha a Évora de propósito para nos visitar”, explica Laura. E assim a cidade ganhou mais um argumento turístico.

A caminho de Estremoz

Seguimos viagem, agora percorrendo por auto-estrada as três dezenas de quilómetros que nos separam de Estremoz, vencendo o desnível dos contrafortes da Serra de Ossa (altitude máxima: 653m) e perdendo o olhar na silhueta fortificada de Évora Monte. Até que o horizonte se enche com as muralhas e o casario de Estremoz, rodeados de vinhas. Não deve haver por todo o Alentejo tamanha concentração de projectos vitivinícolas numa área tão restrita – veteranos como João Portugal Ramos e “jovens lobos” como Tiago Cabaço; grandes produtores como a Herdade das Servas ou projectos de nicho como o Monte Branco, enfim, há de tudo um pouco (quase duas dezenas de referências) à volta da monumental cidade alentejana, também conhecida pelos seus mármores.

 

Mas, como que para reforçar mais uma vez a ideia de diversidade do vinho alentejano, paramos bem dentro do núcleo urbano, num projecto que tem sede em Estremoz mas glorifica as uvas de Portalegre. O enólogo David Baverstock nasceu na Austrália, em Barossa Valley (terra da Shiraz, Syrah na sua denominação oficial em Portugal), casou com uma portuguesa e vive por cá desde 1982. Um dia conheceu o empreendedor britânico Howad Bilton, que vive em Hong Kong e manifestou interesse nos vinhos alentejanos feitos por David (no Esporão, nomeadamente). Em 2002, uniram forças num projecto conjunto, a que chamaram Howard’s Folly.

Têm uma vinha na região de Portalegre e é lá também que compram uvas a pequenos produtores, cujas vinhas velhas constituem um património cada vez mais apreciado (e cobiçado) no universo do vinho português. Mas a sede nasceu em Estremoz, num edifício adquirido em 2018 e onde funcionara o Grémio da cidade. Dentro daquelas imponentes paredes brancas encontramos agora a adega, uma galeria de arte (ligada à fundação, a Sovereign Art Foundation, que ajuda crianças desfavorecidas e vítimas de maus-tratos) e um restaurante de atmosfera divertida (o nome Folly dá o mote) onde os vinhos da casa (que incluem também um Alvarinho feito com uvas de Melgaço) encontram os seus parceiros à mesa.

Provam-se os vinhos da adega, invariavelmente caracterizados pela especial frescura e complexidade das vinhas velhas em altitude que povoam as encostas da Serra de S. Mamede, conversa-se sobre Portugal e o mundo, as castas e a bem portuguesa arte de as combinar na garrafa, o património histórico e a tradição gastronómica de Estremoz, que muita gente classifica como “Cascais do Alentejo”, pela sua atmosfera cosmopolita. Com tudo isto, a fome aperta e sentamo-nos à mesa, para uma refeição de grande nível que combina um traço moderno com os produtos tradicionais da região.

Um “château” no Alentejo

Por mais que nos custe, temos mesmo de nos levantar e fazer ao caminho. Mas esta deslocação é curta: em poucos minutos, nos limites da área urbana da cidade, passamos um apertado portão e o olhar perde-se na contemplação do imenso terreiro central da Quinta D. Maria. De um lado, primeiro, uma série de casinhas geminadas tradicionalmente ocupadas pelos trabalhadores da propriedade, depois a torre, a capela, o edifício principal, silhueta branca debruada a verde das trepadeiras que se prolonga até aos muros ao fundo, atrás dos quais o jardim e a horta se fundem numa atmosfera romântica muito peculiar. Do outro lado, os edifícios de serviço, entre os quais a sala das talhas, a adega, armazéns, a sala de provas, a loja. E, no meio deste rectângulo do tamanho de um campo de futebol, relvados verdejantes.

Este verdadeiro “château” no coração do Alentejo nasceu por vontade do rei D. João V, que a mandou construir uma elegante casa de campo para oferecer a uma cortesã, D. Maria, por quem estava tomado de paixões. A quinta é de 1718, a capela foi edificada em 1752 e devotada a Nossa Senhora do Carmo, o que explica o outro nome por que é conhecida este impressionante e belíssimo palacete: Quinta de Nossa Senhora do Carmo. Júlio Bastos, o proprietário e um dos nomes mais respeitados do panorama vitivinícola alentejano, guia-nos na visita por alguns dos espaços. A impressionante sala das talhas, que em breve serão usadas para fazer um vinho da casa ao velho estilo dos Romanos. A adega com os seus belos lagares em mármore. A sala de barricas onde estagiam os néctares que nos próximos anos nos chegarão ao copo. A sala de provas, preparada para nos dar a conhecer alguns dos vinhos deste produtor com longa tradição e um cuidado sempre especial com a elegância e o requinte das suas propostas vínicas.

Quem quiser pode optar pela versão completa da visita, incluindo uma refeição no interior da casa principal, onde elegantes painéis de azulejo embelezam as paredes e a atmosfera nos faz esquecer o mundo lá fora. Quanto a nós, a visita era para ter acabado a meio da tarde, mas o regresso a Lisboa faz-se já de faróis ligados. O grande génio da Física Albert Einstein lançou muitas ideias que só décadas mais tarde puderam ser confirmadas pela ciência. Uma delas é que “o tempo é relativo e não pode ser medido do mesmo modo e por toda a parte”. Mas isso já os alentejanos sabiam há muito…

In https://grandesescolhas.com/

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