Vai estar patente, de 15 de setembro e 11 de outubro, no Museu Municipal de Vidigueira, a Exposição ESQUECIDOS – Homenagem às Vítimas do “Dilúvio” de 3 de outubro de 1944, apresentada por Fernando Estevens e João Taborda e comissariada pela professora Francisca Bicho.
Apresentamos o texto de Francisca Bicho, Professora de História do Ensino Secundário e Comissária da exposição, sobre este acontecimento:
“Corria o ano de 1944. Não conseguimos imaginar o que seria a vida nestas nossas Freguesias de Vila Alva, Cuba, Vila Ruiva … e de repente abateu – se sobre as terras e as gentes uma tragédia natural, que trouxe prejuízos mas sobretudo ceifou vidas, não conseguimos imaginar a aflição das pessoas e o drama de ver morrer em Vila Alva 5 familiares, amigos, conhecidos.
Com efeito, por perto da Horta do Perna à Roda perderam a vida o casal Fernando Palma e Isabel Branco, o casal António Pacheco e Ana Ovelha (os «Fofas») e ainda Romão de Brito. Tudo aconteceu a 3 de Outubro de 1944. Lá fora havia outra tragédia, a Europa e o Mundo estavam em guerra, a II Guerra Mundial.
Portugal vivia a paz podre da Ditadura de Salazar, enquanto alguma Oposição acalentava a esperança de que uma vitória dos Aliados pudesse abrir um pouco o regime político.
Salazar levou o País a assinalar os Centenários em 1940, comemorando assim a fundação de Portugal – 1143 e a Restauração da Independência – 1640, e projectando em Lisboa a Exposição do Mundo Português, para mostrar à Europa que «Portugal não era um País pequeno», objectivo que a propaganda reforçou colocando os mapas das então colónias sobre o mapa da Europa.
Mas, Portugal era efectivamente um País pequeno, não apenas na dimensão do rectângulo, era pequeno por estar fechado no Salazarismo, uma pequena «quinta» em que tudo era cinzento e pobre, à semelhança das mentalidades controladas pelo chefe, através da Escola, apenas para alguns, dos Livros, Jornais, Rádio, censurados, e de outra forma, pelas forças de segurança, Polícia e G.N.R, e mais ainda pela polícia política, a PIDE.
Que dizer então da pequenez e do atraso das nossas terras, em particular das freguesias de Vila Alva, Vila Ruiva e Cuba, fechadas no seu mundo rural daquele ano distante de 1944, sendo que apenas a sede do concelho se ligava a Beja de comboio, que dizer das gentes trabalhadoras que tudo desconheciam, sem televisão que informasse, como hoje, sobre as previsões meteorológicas, sobre a previsão de grandes trovoadas ou dilúvio que poderiam abater-se sobre a região, como podemos imaginar a vida nesse ano de 1944 que queremos recordar?
Sim, é difícil um exercício de memória que nos transporte até lá pela oralidade, podemos conhecer alguns elementos filtrados pelos jornais da época, mas, o nosso maior objectivo é lembrar todos os esquecidos deste País através do que mais nos toca, que é retirar do esquecimento todos os esquecidos de Vila Alva, Vila Ruiva e Cuba sobre os quais se abateu a tragédia de 1944 e nela ficaram esquecidos até hoje, passados 73 anos, sendo que 5 desses esquecidos foram vítimas mortais.
Testemunhos orais dos mais velhos dizem-nos que as águas transportaram sacos de trigo, animais, etc. em força nunca vista, mas não fossem alguns acasos da oralidade e não se teria chegado a um facto, a uma vítima de nome Fernando, cuja filha o perpetuou atribuindo o nome a um afilhado, não se teria desencadeado a motivação para procurar as notícias dos Jornais daquela época, que permitiram reconstituir factos, nomes das vítimas, prejuízos causados pelo cataclismo de 1944 no concelho e em outros da região.
Além da menção à maior perda, que foi a de vidas humanas em Vila Alva, a imprensa refere-se também às Freguesias de Vila Ruiva e Cuba, e em geral regista a angústia, os riscos de vida, a altura atingida pelas águas, as inundações em habitações, armazéns, campos e estradas, perdas de mobílias, louças, roupas, adubos, peles e couros, que estavam a curtir numa fábrica de curtumes em Cuba.
Na persistência de Fernando Estevens e de João Taborda, que decidiram penetrar no quase insondável, a que me associei nesta obrigação de trazer do esquecimento Gente Esquecida, em tudo isto reside o facto de estarmos a fazer História, nela colocando os que lá não estavam, e desta forma enriquecendo a nossa História Local.
A partir dos nomes e idades registados pela imprensa, chegámos ao ano de nascimento e Registos de Baptismo das vítimas: Fernando Palma, 1883, Isabel Branco, 1882, Romão de Brito, 1887, António Pacheco, 1888, todos naturais de Vila Alva, e ainda a mulher deste último, conhecida por Ana Ovelha, ou Ana Amaro, como se lê em averbamento de casamento, e que nasceu em Santana, concelho de Portel, em 1902.
Por sugestão em conversa havida com José Pernicha, de Vila Alva, a Exposição que se apresenta ganhou a designação de ESQUECIDOS, que são recordados em 2017 através de uma contextualização breve do meio em que viviam, dos seus dados biográficos, do testemunho de Marcos do Panoias, do eco que os Jornais fizeram da tragédia, quer o regional Diário do Alentejo, quer os nacionais, como o Diário de Lisboa, Diário de Notícias, O Século.
Mas, também são recordados pela forma como passaram a estar nas conversas dos nossos dias, ou ainda como são motivação para percorrer e reflectir sobre os caminhos que levam ao local da tragédia, e como igualmente são pretexto para podermos equacionar a acção do homem sobre a Natureza, que hoje, mais do que ontem, é responsável por fenómenos incontroláveis, como os que em 1944 causaram prejuízos diversos e roubaram a vida a 5 pessoas de Vila Alva, mas que na actualidade todos os dias nos ameaçam fortemente”.